Hotéis seis-estrelas começam a ganhar espaço na costa brasileira
Além de atraírem turistas endinheirados, eles trazem ao país um novo conceito de requinte
A costa brasileira sempre atraiu turistas do mundo interessados em desfrutar praias de beleza indiscutível. Em geral, hotéis, resorts e pousadas costumam agradar à maioria, por serem minimamente bons e confortáveis. Há, contudo, imenso espaço nos 7 500 quilômetros do litoral para empreendimentos com uma estrelinha a mais nos diplomas, afeitos a encher os olhos de viajantes habituados a conforto e privacidade. É o luxo à beira-mar. Dois anos depois do surgimento da pandemia, atendendo ao anseio das pessoas de ver sol e horizonte, há um leque de novidades de primeiríssima linha recentemente inauguradas.
O Fasano Trancoso, no sul da Bahia, aberto no fim de dezembro de 2021 num pedaço da faixa de praia conhecido como Itapororoca, é um exemplo. O lugar é deslumbrante — pela natureza e pela ação do homem. Responsável pelos projetos dos espaços do grupo na cidade de São Paulo, Boa Vista, no interior do estado, e em Punta Del Este, no Uruguai, arquiteto Isay Weinfeld assina também o Fasano baiano. A prioridade foi erguer estruturas que se mimetizam com a exuberância do lugar e permitem a integração do hóspede à combinação mar e verde. Construído em meio a 300 hectares de mata nativa, o hotel tem quarenta bangalôs que ultrapassam os 200 metros quadrados cada um. Todos têm sala de estar, banheiros de mármore, terraços privativos, fitness center e spa com sauna. A comida fica por conta de Zé Branco, o conhecido cozinheiro da Trattoria Fasano, em São Paulo. No Ceará está outra dessas joias turísticas. O Carmel Taíba Exclusive Resort está localizado a 75 quilômetros ao norte de Fortaleza e oferece 36 acomodações divididas em vilas nas quais os hóspedes têm total privacidade.
Tanto o Fasano Trancoso quanto o Carmel Taíba são expoentes dos novos humores do turismo de luxo. O conceito de luxo já vinha sendo redefinido, com espaço cada vez menor para a opulência, o exibicionismo e o consumo excessivo. No lugar, adquiriram sentido atributos como tempo para a contemplação, simplicidade e imersão nas culturas locais. Tudo bem que a tradução de simplicidade em um hotel seis-estrelas venha na forma de camas king-size forradas com lençóis de algodão egípcio com 300 fios e chuveiro de alta pressão, como no Fasano. No Carmel, em meio ao paisagismo assinado por Alex Hanazaki, a experiência pode ser a degustação do café da manhã farto de frutas tropicais de época escolhidas com esmero, ou em ambientes como o spa, a sequência de jacuzzis, a sauna e a academia. Tudo isso com um serviço impecável, em que cervejas e camarões grelhados são servidos em uma barca na piscina, se o turista desejar.
Os hotéis brasileiros com essa proposta abrem em boa hora. Na ressaca do confinamento, um dos maiores desejos dos viajantes que procuram estabelecimentos seis-estrelas é permanecer nos lugares por mais tempo, praticando à risca a chamada slow travel (viagem lenta, em tradução livre do inglês). Não há dúvida de que as praias nacionais são ótimos lugares para tal. Além disso, o setor vive um ótimo momento. De acordo com números divulgados pela International Luxury Travel Market, entidade que promove os principais eventos de turismo de ponta, mais de 50% das viagens durante a pandemia foram na categoria luxo. No Brasil, o fenômeno teve a peculiaridade de fazer com que os mais ricos descobrissem a própria terra. “Ainda com receio de realizar viagens internacionais, o turista brasileiro de maior poder aquisitivo prefere ficar dentro do país”, diz Manoel Linhares, presidente nacional da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis. É mudança palpável. “A movimentação cresceu em nossos estabelecimentos de Angra, Punta del Este e nos metropolitanos”, afirma Constantino Bittencourt, sócio-diretor do Grupo Fasano.
Há, contudo, como em qualquer atividade de serviço, pontos a ser ajustados, talvez na comunicação. O caríssimo Barracuda Beach Hotel, inaugurado há cerca de um ano em Itacaré, na Bahia, registra volume maior do que o desejado de reclamações de turistas na plataforma TripAdvisor. “Existe uma prainha com uma faixa de areia de 10 metros lotada que faz Copacabana parecer tranquila”, escreveu um ex-cliente. “Privacidade zero e praia feia”, declarou outro, sentindo-se numa roubada. O problema é que algumas fotos do estabelecimento, tanto no site quanto no Instagram, sugerem uma localização próxima à praia, com atividades como stand up paddle e aulas de surfe — o que, de fato, não acontece. O hotel fica encrustado no meio de um penhasco e os hóspedes saem andando pela rua, entre camelôs e guardadores de automóveis, até chegar ao mar. A sócia-diretora do estabelecimento, Juliana Ghiotto, responde argumentando que o Barracuda nunca se posicionou como resort de luxo pé na areia (só no preço, claro). No réveillon, a diária era de quase 7 000 reais. “A proposta é a de proporcionar experiências que promovam interação dos hóspedes com a cultura e a natureza”, diz. Ressalve-se, a favor do Barracuda, que há nas plataformas digitais comentários de quem gostou muito do que viu. Ainda bem que há sol para todos — embora possa custar um pouco mais e nem sempre agradar.
Publicado em VEJA de 19 de janeiro de 2022, edição nº 2772