Homem que tentou jogar avião no Planalto queria militares no poder
A informação consta de um depoimento dado pelo sequestrador à Polícia Federal pouco antes de aparecer morto num hospital de Goiânia
No dia 29 de setembro de 1988, o maranhense Raimundo Nonato Alves da Conceição transformou um voo da Vasp que fazia a rota de Porto Velho (RO) para o Rio de Janeiro em um dos maiores pesadelos já vividos pela aviação brasileira. Com um revólver, ele rendeu a tripulação e ordenou que o piloto desviasse para Brasília. Havia 95 passageiros a bordo. A intenção dele, de acordo com a versão oficial, era jogar o avião sobre o Palácio do Planalto, num protesto contra o governo do então presidente José Sarney.
Raimundo foi convencido a seguir para Goiânia, foi baleado no aeroporto e morreu no hospital. A história é contada no filme O Sequestro do Voo 375, lançado recentemente. Raimundo tinha sido demitido de uma obra e teria ficado em situação difícil por não conseguir encontrar emprego, por isso decidiu praticar o atentado. Essa, no entanto, não é a versão que aparece em uma investigação sigilosa do governo federal realizada à época pela Polícia Federal e pelos serviços de inteligência.
Raimundo foi interrogado pela Polícia Federal no dia 2 de outubro, quando tentava se recuperar de ferimentos no Hospital Santa Genoveva, em Goiânia, para onde foi levado após receber um tiro na nádega. Ele contou que trabalhou para a Construtora Mendes Júnior no Iraque por dois anos, período em que se ofereceu às autoridades militares iraquianas para virar combatente na guerra do país contra o Irã, pedido que foi negado. Raimundo afirmou que teve a ideia de sequestrar o avião um dia antes do voo, devido ao sofrimento do povo brasileiro, “principalmente pela falta de moradia, pela corrupção”.
Objetivo era devolver governo aos militares
O delegado que colheu o depoimento insistiu que Raimundo explicasse melhor sua intenção ao sequestrar o avião. “Foi uma revolta pessoal por ver pessoas passando fome, morando debaixo de viadutos, pessoas feridas dormindo ao relento”, disse.
Ele acrescentou que queria o país dirigido pelos militares. “Embora sendo o Presidente seu conterrâneo, entende o interrogado, mesmo assim, que o governo deveria passar para os militares”, diz trecho do depoimento. “Na época do governo do general João Baptista de Figueiredo a situação era bem melhor”, ressaltou.
O sequestrador afirmou que sua intenção era levar o avião a Brasília, onde pretendia “contactar “o Ministério do Exército e exigir que os militares assumissem o poder, sem realização de eleições. Raimundo confidenciou que teve problemas mentais quando tinha entre 15 e 16 anos, e que, certa vez, chegou a ficar amarrado durante a um acesso de loucura.
A morte do sequestrador nunca foi devidamente esclarecida. Foram levantadas algumas hipóteses de envenenamento, entre elas a de envenenamento, mas nada foi comprovado. O diretor do hospital chegou a declarar que a morte de Raimundo era “um fato inusitado na medicina”. Em retaliação, o serviço de inteligência do governo produziu um relatório listando supostas “ações subversivas” do médico.