Heroísmo e dor: os detalhes e consequências da queda do avião na Bahia
Tuka Rocha, ex-piloto de Stock Car, chegou a sair da aeronave e ligar para a sua mãe, mas voltou para retirar uma criança dos destroços. Ele não sobreviveu
Às 11 horas do último dia 14, véspera do feriado da Proclamação da República, dez pessoas, entre amigos e familiares, além do piloto e do copiloto, decolaram em um Cessna 550 do aeroporto de Jundiaí, nas cercanias de São Paulo, rumo à pista de pouso em Maraú, no litoral sul da Bahia. Seria a primeira vez que o grupo se reuniria após o casamento celebrado há dois meses de dois integrantes da turma: Maysa e Eduardo Mussi. Eles embarcaram cheios de novidades sobre a lua de mel em Bali e a nova fase de vida. O passeio, no entanto, terminou em tragédia. Pouco antes das 14 horas, quando o jato executivo se preparava para aterrissar, o trem de pouso atingiu uma barreira a poucos metros da cabeceira da pista e espatifou-se. Com a aeronave desequilibrada, a asa esquerda bateu no solo e o tanque de combustível explodiu.
As cenas que se seguiram foram de absoluto terror. Uma das turbinas explodiu perto das poltronas das irmãs Marcela Elias e Maysa Mussi. A primeira morreu carbonizada, presa às ferragens. Maysa ficou dois dias no hospital, mas não resistiu. Outro passageiro, Tuka Rocha, ex-piloto de Stock Car, chegou a sair da aeronave e ligar para a sua mãe para falar o que acabara de ocorrer e acalmá-la. “Estou vivo”, disse. Logo depois, ao saber que Duduzinho Elias, de 6 anos, filho de Marcela e Eduardo Elias, ainda estava no avião, Rocha voltou para retirar a criança dos destroços. Foi bem-sucedido no resgaste, mas pagou um preço alto pelo heroísmo. Sofreu queimaduras graves em 80% do corpo e acabou se tornando a terceira vítima do acidente fatal. Eduardo Mussi, 36 anos, Eduardo Elias, 38, Duduzinho, 6, Marcelo Constantino, 26, Fernando Oliveira Silva, 26, e Marie Cavelan, 27, seguiam internados até a última quinta-feira, 21. O piloto Aires Napoleão, 66, teve 15% do corpo queimado e recebeu alta na quarta-feira 20.
Uma rajada de vento teria sido responsável por desequilibrar a aeronave momentos antes da aterrissagem. O aeromodelo de prefixo PT-LTJ pousaria em uma pista dentro de um resort desativado em Maraú, sem ferramentas de aproximação por meio de instrumentos. Fabricado em 1981, o modelo Cessna 550, que pertence ao empresário Juca Abdalla Filho, estava com a documentação regular e tinha capacidade para nove passageiros, além do piloto e do copiloto. Ou seja, não havia excesso de pessoas. Os peritos que começaram a recolher dados para investigar as causas do desastre devem se concentrar na hipótese da batida do trem de pouso. “A maior parte dos acidentes possui raízes em falhas humanas”, afirma Lito Sousa, especialista em segurança de voo. De acordo com os últimos dados do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), no Brasil, entre 2008 e 2017, o total de acidentes de aeronaves particulares foi de 636. Nos últimos três anos do período, o número manteve-se estável, na casa de sessenta. Apesar de ser um destino turístico, a Bahia não integra a lista dos principais lugares onde ocorreram esses desastres: representa 4,7%, enquanto São Paulo responde por 19,7% e Mato Grosso, 14%. A polícia local abriu um inquérito para apurar as causas do acidente em Maraú.
A 250 quilômetros de Salvador, a região tem praias calmas com mar azul-claro, lagoas naturais e corais deslumbrantes. A despeito da badalação de Trancoso, localizada também no litoral sul baiano, ainda há por lá um clima mais tranquilo. Em busca de brisa e sossego, milionários constroem casas paradisíacas, caso do publicitário Duda Mendonça, que já alugou sua residência ao jogador Neymar. Pai de Eduardo Mussi e dono da Indústria Brasileira de Artigos Refratários S/A, Carlos Henrique da Silva Ferreira tem uma propriedade no local desde 2009. Era lá que a turma a bordo do fatídico voo ficaria hospedada por três dias.
Eduardo Elias e o filho, Duduzinho, foram transferidos entubados em voos de UTI móvel de Salvador para São Paulo na terça-feira 19. “Meu neto não quis sair do avião por ver a mãe, a Marcela, presa às ferragens”, conta o decorador Jorge Elias. “Tuka Rocha voltou para salvá-lo mesmo com a nave em chamas.” Em situação que inspira cuidados, Eduardo Elias teve órgãos queimados pela fumaça, entre eles o pulmão, e se submeteu a cirurgias de reconstrução de tecidos. “Eu não culpo Deus por nada e agradeço a fé e orações de amigos e conhecidos. Um dia ainda vou entender o que esse acidente significa”, afirma Jorge Elias. No enterro de Tuka Rocha, o religioso que celebrou a missa lembrou que a mãe do ex-piloto acompanhou os seus últimos minutos de vida no hospital. Com Tuka entubado e desenganado pela equipe médica, Lívia falou no leito da UTI que ele poderia partir em paz e que sentia muito orgulho do filho. Não teve quem segurasse as lágrimas.
Colaborou Giovanna Romano
Publicado em VEJA de 27 de novembro de 2019, edição nº 2662