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Grupos de caminhoneiros se fortalecem sempre que ameaçam parar o país

Na gênese da confusão na Petrobras, aparece o "exército da boleia", do qual o presidente conhece bem o poder de fogo

Por Thiago Bronzatto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 13h28 - Publicado em 26 fev 2021, 06h00

Em 2018, o Brasil experimentou as consequências de uma greve improvável. Durante dez dias, governo e caminhoneiros mediram forças. A categoria exigia uma redução dos preços do óleo diesel, que, em um ano, havia subido mais de 50%. O movimento foi ganhando dimensão, até paralisar as rodovias, provocar o desabastecimento de combustíveis, alimentos e remédios, além de desorganizar toda a cadeia produtiva. Fábricas tiveram de suspender suas atividades por falta de matéria-prima, empresas aéreas reduziram voos e aulas foram canceladas. O problema é que, como não havia uma liderança estabelecida, não havia também com quem o governo negociar. Era tudo tão confuso que a pauta econômica se misturava à pauta política. Grupos se dividiam entre os que defendiam do combate à corrupção à intervenção militar. Acabou acontecendo a intervenção militar — mas para acabar com a greve que praticamente travou o país. Desde então, empoderados, os caminhoneiros pairam em Brasília como uma espécie de assombração, como se viu no episódio que terminou com a demissão do presidente da Petrobras.

Em janeiro, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, foi informado de que um grupo estava preparando uma paralisação nacional para o mês seguinte. Num vídeo que circulou no Whats­App, uma das lideranças da categoria praguejava contra o presidente Bolsonaro. “Vai fazer dois anos que está aí um governo pra quem a gente fez campanha. E até o presente momento não chegou nada para os caminhoneiros”, reclamava Plínio Nestor Dias, do Conselho Nacional do Transporte Rodoviário de Cargas, que diz representar 40 000 profissionais. A insatisfação começou a ganhar corpo, sobretudo com a constante alta do preço do diesel. Para evitar uma nova crise nas estradas, Tarcísio e sua equipe passaram a entrar em contato com dezenas de representantes de motoristas autônomos. “Para parar uma rodovia, basta um caminhão”, justifica o secretário nacional de Transportes Terrestres, coronel Marcello da Costa Vieira. Havia, de fato, indícios de uma tentativa de repetir a paralisação de 2018. A Polícia Rodoviária descobriu esconderijos onde eram guardados pneus para ser queimados no meio das rodovias e os pontos de bloqueio. Apesar do fiasco do plano, o episódio deixou Bolsonaro preocupado.

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EMPODERADOS - Plínio Dias e Wallace Landim, o Chorão: os líderes do movimento têm linha direta com o governo – (Eduardo Matysiak/Futura Press/Reprodução)

O presidente conhece bem o poder de fogo da boleia. Em 2018, quando a greve gerou um prejuízo estimado de 60 bilhões de reais, Bolsonaro, então deputado federal, gravou um vídeo se solidarizando com o movimento. “Apenas a paralisação poderá forçar o presidente da República (Michel Temer) a dar uma solução para o caso”, disse o parlamentar à época dos fatos. Após vestir a faixa presidencial, Bolsonaro passou a conviver com a espada dos caminhoneiros em sua cabeça. Nos últimos dois anos, houve treze tentativas de greve e a categoria ficou ainda mais fragmentada com o surgimento de novos representantes da classe. Ao todo, o Ministério da Infraestrutura mantém contato com cerca de oitenta líderes que dizem representar 1,5 milhão de caminhoneiros em todo o país. Nesse período, sempre com medo de uma nova greve, o presidente fez vários acenos. O último deles foi na semana passada, após a alta de 27% do diesel no ano — e novas ameaças.

“Onde está a palavra do governo federal, que na pessoa do presidente da República sinalizou a diminuição dos impostos federais dos combustíveis, e vamos para o quarto aumento consecutivo em menos de trinta dias se mantendo inerte, e nada fez de concreto até o presente momento?”, reclamou Wallace Landim, conhecido como Chorão, presidente da Associação Brasileira de Condutores de Veículos Automotores, que diz representar 30 000 caminhoneiros. A resposta do governo foi imediata (e atabalhoada): Bolsonaro trocou o comando da Petrobras, decidiu zerar a cobrança de imposto federal sobre o diesel por dois meses, abrindo mão de 3 bilhões de reais em arrecadação, e anunciou que estuda mudar o sistema de cobrança do ICMS, um tributo que incide sobre os combustíveis e fica no caixa dos estados. Nenhum governador, evidentemente, vai querer abrir mão de receita. “Não é cabível que o presidente da República queira vulnerabilizar o equilíbrio fiscal dos estados brasileiros”, protestou o governador paulista João Doria. Com os últimos movimentos, Bolsonaro afastou a ameaça de greve. Mas o preço foi alto — e o exército de caminhoneiros ainda paira como um problema para o país.

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Colaborou Hugo Marques

Publicado em VEJA de 3 de março de 2021, edição nº 2727

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