Governo vê desafios para começar a pavimentar saída contra supersalários
O plano é criar um limite para os penduricalhos que fazem com que alguns servidores públicos recebam salários acima do que ganha um ministro do STF

Uma reunião recente entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a cúpula do Congresso começou a pavimentar o que pode ser a saída encontrada pelo governo para combater os supersalários e asfixiar uma máquina de privilégios que levou os cofres públicos a desembolsar mais de 40 bilhões de reais nos últimos seis anos. A Constituição estabelece que nenhum servidor pode receber vencimentos maiores que um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) — o equivalente hoje a 44 000 reais. É uma regra simples e objetiva, mas que não é respeitada, especialmente nas carreiras do Judiciário e do Ministério Público, onde uma infinidade de gratificações e benefícios é criada exatamente para driblar a lei. Pelos cálculos do professor e doutor em direito Bruno Carazza, esses penduricalhos fizeram com que, no ano passado, 93% dos juízes brasileiros fossem remunerados acima do teto quando somados prêmios, auxílios variados e mais de trinta tipos diferentes de verbas indenizatórias. Não é a primeira vez que se tenta corrigir essas distorções — e provavelmente não será a última.
O projeto enviado ao Congresso estabelece que as chamadas verbas indenizatórias — o ninho onde se escondem e se multiplicam os tais penduricalhos — também devem ser limitadas pelo teto constitucional e eventuais exceções seriam regulamentadas em lei complementar. Ou seja, se aprovada como está, a regra estabeleceria o limite de 44 000 reais para os vencimentos, incluindo as benesses agregadas. Na votação do pacote de corte de gastos do governo, porém, o Congresso foi ainda mais benevolente, estabelecendo que eventuais mudanças sejam feitas a partir de uma simples lei ordinária – na prática, de mais fácil aprovação, mas também mais sujeita a flexibilizações. Entidades que representam a magistratura e o Ministério Público defendem que os privilégios já adquiridos sejam mantidos até que se aprove a nova lei, o que pode levar meses, anos ou simplesmente nem acontecer — mantendo tudo como está hoje. O governo pretende voltar a enfrentar a questão em fevereiro, quando deve anunciar uma nova ofensiva contra vencimentos acima do teto, mas ao mesmo tempo não quer criar arestas com o Judiciário e busca uma alternativa. Fernando Haddad e Rodrigo Pacheco conversaram sobre uma proposta analisada pela equipe econômica para tentar mitigar a construção dos supersalários sem desagradar tanto às categorias interessadas.
A ideia é criar um teto para os penduricalhos que não poderia ultrapassar o valor do vencimento original. Se um servidor ganha, por exemplo, 20 000 reais por mês, as benesses e verbas indenizatórias (reembolsos por viagens, gratificações etc.) seriam de, no máximo, 20 000 reais. O governo acredita que isso limitaria os exageros. “A partir do momento que se colocar numa lei que os pagamentos indenizatórios poderão chegar a determinado percentual, vai haver um movimento de criação de penduricalhos para que esse novo patamar seja atingido”, adverte Carazza, autor do livro O País dos Privilégios. A solução pode ampliar o problema.
Publicado em VEJA de 20 de dezembro de 2024, edição nº 2924