Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana
Continua após publicidade

Governo do Rio lança programa para retomar favelas em mãos de bandidos

Trata-se de uma nova prova de fogo para a castigada segurança pública do estado

Por Marina Lang, Ricardo Ferraz Atualizado em 4 jun 2024, 12h40 - Publicado em 12 fev 2022, 08h00

Cercado de favelas dominadas ora pelo tráfico, ora pelas milícias, o Rio de Janeiro tem na segurança e no combate à criminalidade os pontos mais sensíveis de sua administração. Não é de hoje que cada governo que entra anuncia planos ambiciosos para o setor que, mal costurados, acabam dando em nada. No fim de 2008, a gestão de Sérgio Cabral começou a implantar as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), um plano de ocupação dos morros pela polícia, seguido de melhoria de infraestrutura, serviços sociais e ações comunitárias. A ideia era que a própria comunidade fecharia fileiras com as forças de segurança, expulsando a bandidagem. Por um momento, o projeto pareceu que ia dar certo. Acabou desmoronando por planejamento deficiente, despreparo da polícia e corrupção endêmica em todos os escalões.

Tendo passado depois disso por uma intervenção militar na área de segurança, que ficou por dez meses em 2018 a cargo do Exército, e pela bizarra orientação de Wilson Witzel, afastado por suspeita de corrupção, de “atirar na cabecinha” dos bandidos, o Rio entra agora no Cidade Integrada, que começa a ser implantado pelo vice e sucessor de Witzel, Cláudio Castro. “Não se trata de um programa de pacificação, mas de retomada de território, de entrada de serviços públicos e posterior devolução à comunidade”, diz Castro, que promete investir nele 500 milhões de reais, uma fração dos 9 bilhões arrecadados com a privatização da Cedae. Em vez de envolver diversas secretarias desconectadas entre si, como a ação de Cabral, o programa é centralizado no gabinete do governador, que coordena a atuação de quarenta pastas. Outra diferença crucial é o revezamento constante dos policiais nas favelas para evitar, como já aconteceu antes, aproximação e conluio com os bandidos.

Na teoria, trata-se de uma estratégia bem elaborada e consistente. Os especialistas citam, contudo, dois pontos que podem atrapalhar a execução do plano. Um é a necessidade de articulação com as comunidades, pegas de surpresa com as duas primeiras ocupações — embora a ação estivesse sendo planejada havia oito meses. Desde 19 de janeiro, cerca de 120 efetivos da Polícia Militar fincaram pé na favela do Jacarezinho, na Zona Norte, dominada pelo tráfico, e outros 100 estão instalados na Muzema, na Zona Oeste, praça forte da milícia. “Não há conversa com a favela, não fizeram pesquisas nem perguntaram o que a gente quer”, reclama Diego Aguiar, líder comunitário do Jacarezinho. Ciente da importância desse diálogo, o governo promete para os próximos meses um conselho formado por doze moradores eleitos e doze representantes das secretarias. Outro questionamento crucial é se a mesma polícia que fracassou antes está preparada para ter sucesso agora. “O policiamento de proximidade requer a criação de vínculo, mas sem que o policial deixe de cumprir sua missão. É preciso estabelecer normas de convivência, mostrar qual é a regra do jogo”, ensina Paulo Storani, antropólogo e ex-­capitão do Bope.

MELHORIA - Serviços no Jacarezinho: coleta de lixo e asfaltamento de ruas -
MELHORIA - Serviços no Jacarezinho: coleta de lixo e asfaltamento de ruas – (Gabriel de Paiva/Agência O Globo)

A reportagem de VEJA esteve no Jacarezinho e já pôde observar algumas mudanças positivas da presença do Estado, como a retirada de mais de 1 000 toneladas de lixo e entulho dos rios e melhoria de espaços públicos. Um dos programas mais procurados, já em funcionamento, capacita mulheres para o mercado de trabalho e o empreendedorismo, oferecendo às alunas um auxílio de 300 reais. A maioria das 35 ações previstas no Cidade Integrada, no entanto, ainda não saiu do papel. Mas o governo garante que vão em algum momento. A grande dificuldade, essa bem mais complexa, é a relação das forças de segurança com os moradores. Como sempre, existem reclamações sobre a atuação da polícia, como a revista de casas sem mandado judicial e alguns excessos cometidos.

Continua após a publicidade

Numa clara manifestação da cultura que predomina na corporação, o estudante Yago de Souza, 21 anos, que é negro, foi preso quando saiu para comprar pão e libertado dois dias depois, por não ter envolvimento com o tráfico. “Erros podem ocorrer. Vamos aguardar as investigações, mas a Polícia Militar não se furtará a punir os maus policiais”, assegura Cláudio Castro. Na Muzema, o maior obstáculo tem sido superar o medo dos moradores, que pouco procuram o distribuidor oficial de gás lá instalado e, por pavor de represálias, seguem utilizando o comércio ilegal dominado pelos milicianos. A batalha ali é para ganhar a confiança da população mostrando que essa ação não será desmontada em breve, deixando-os novamente sob o controle da milícia.

Experiências mundo afora mostram que é possível, sim, colocar um fim à violência em ambientes como as favelas cariocas. E o caminho adotado no Rio, com a retomada de território das mãos dos criminosos, tem dado bons resultados. Medellín, na Colômbia, é o exemplo mais citado de vitória contra o banditismo. O antigo quartel-general do megatraficante Pablo Escobar se transformou completamente quando o Estado passou a promover programas consistentes, que não mudaram conforme o governo, investiu fortemente no preparo das forças policiais e em inteligência, introduziu programas de geração de renda para os moradores e instalou bibliotecas, parques e escolas nas áreas pobres. No Rio de Janeiro cansado de planos fracassados, e ainda por cima em ano eleitoral (o que aumenta a desconfiança da população), o Cidade Integrada terá de mostrar muito serviço para ser considerado bem-­sucedido. Mas vale a tentativa. As outras opções — ficar de braços cruzados ou entrar ali apenas distribuindo tiros — não funcionaram.

Publicado em VEJA de 16 de fevereiro de 2022, edição nº 2776

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

a partir de 39,96/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.