Governo dá tração a projetos para recuperar áreas degradadas da Amazônia
Um dos planos envolve a concessão de partes significativas da floresta para entidades e empresas
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva iniciou o terceiro mandato com a meta de zerar o desmatamento na Amazônia até 2030. Até o momento, o projeto tem ao menos caminhado na direção certa. A área desmatada caiu 62,2% em 2023, segundo relatório da rede ambiental MapBiomas, mas ainda assim chegou a 454 300 hectares, o equivalente a três vezes a área do município de São Paulo. A ideia de priorizar o esforço para evitar a destruição de novas áreas é correta, mas a estratégia ambiental da gestão começa a dar sinais de que não só disso será feita a nova política para o maior bioma do país. Nas últimas semanas, o governo deu tração a iniciativas que visam, mais que manter a floresta de pé, reerguer o que foi derrubado, com projetos de restauração, em parte bancados por financiamentos internacionais e com o envolvimento do setor privado na gestão.
Um dos planos envolve a concessão de partes significativas da floresta para entidades e empresas. No início de maio, um acordo entre o Serviço Florestal Brasileiro (SFB), o BNDES e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) garantiu aporte financeiro para viabilizar projetos do tipo. Nessa modalidade de gestão, o governo firma um contrato com entes privados para o manejo de recursos florestais em uma área específica e por um período determinado. Com isso, é possível explorar madeira e outros produtos sem precisar desmatar. Uma nova legislação, sancionada em 2023, passou a permitir ainda a restauração de áreas degradadas com geração de receita a partir da venda de crédito de carbono. O primeiro projeto será na Floresta Nacional de Bom Futuro, em Rondônia, com a recuperação de 17 000 hectares. “Esse novo projeto é para trazer a floresta de volta ao lugar de onde ela não deveria ter saído”, diz Garo Batmanian, diretor-geral do SFB. Até 2026, a iniciativa pretende restaurar 2,9 milhões de hectares, o equivalente ao tamanho da Bélgica.
O pacote de iniciativas nessa direção contempla também o Arco da Restauração, que terá um alcance muito maior. No dia 23, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e o BNDES anunciaram o resultado de um edital que vai receber 1 bilhão de reais do Fundo Amazônia — financiado por países como Alemanha e Noruega — e do Fundo Clima para ações que visam áreas degradadas. A previsão é recuperar 6 milhões de hectares até 2030 e 24 milhões até 2050. “Esse é um dos objetivos mais ambiciosos que nossa nação traçou”, disse Marina em um seminário sobre o tema. “Esperamos seguir com esse diálogo de forma próxima ao setor privado, para avançarmos na implementação da agenda de restauração florestal”, completou.
Outro projeto importante andou na última semana. Além de mirar a preservação da Amazônia e de outros biomas, o Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas permitiu ao governo fazer um aceno ao agronegócio ao anunciar a intenção de recuperar 40 milhões de hectares e convertê-los em áreas para a produção de alimentos. O objetivo é evitar a expansão da fronteira agrícola em direção a áreas protegidas. “Vamos poder praticamente dobrar a produção sem mexer em nenhum bioma nosso”, disse Lula. No dia 21 de maio, o embaixador japonês, Teiji Hayashi, e a vice-presidente da Agência de Cooperação Internacional do Japão (Jica), Sachiko Imoto, manifestaram interesse ao ministro Carlos Fávaro (Agricultura) em contribuir para o plano.
Para atingir seus objetivos, essas iniciativas terão de superar obstáculos importantes. Segundo especialistas, a escassez de recursos e as amarras administrativas da gestão pública podem prejudicar o andamento e a fiscalização dos projetos. A falta de regulamentação do mercado de carbono também causa insegurança jurídica. “Podemos ter ganhos em qualidade da gestão dessas florestas públicas, porque o problema, em boa medida, é apenas gerencial. Se isso for feito com mais agilidade e eficácia, é positivo”, diz Virgilio Viana, superintendente-geral da Fundação Amazônia Sustentável.
Resta ainda o desafio de pensar em políticas que aprimorem a qualidade de vida da população. Segundo o IBGE, a Amazônia Legal é quem mais sofre com a fome. O Pará, que irá sediar a COP30 (conferência da ONU sobre o clima) em 2025, ocupa o primeiro lugar no ranking de insegurança alimentar. “A política ambiental precisa andar de mãos dadas com a política social e econômica local”, diz Daniel Vargas, professor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas. Apesar das incertezas no horizonte, as iniciativas parecem ir na direção correta: a de tirar o país das cordas na política ambiental, em especial na Amazônia. Se forem bem-sucedidos, os planos para reerguer a floresta podem se tornar as sementes para a solução do problema.
Publicado em VEJA de 31 de maio de 2024, edição nº 2895