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“Fomos injustiçados”: brigadistas de Alter do Chão reforçam inocência

Quatro brigadistas voluntários foram presos em Alter do Chão, no Pará, em novembro. Em São Paulo, dois dos investigados concederam entrevista a VEJA

Por Jennifer Ann Thomas Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 8 dez 2019, 19h31 - Publicado em 8 dez 2019, 19h11

O dia de 26 de novembro, uma terça-feira, começou com uma notícia estrondosa: quatro brigadistas de incêndio voluntários, que atuaram justamente para conter o fogo em Alter do Chão, no Pará, haviam sido presos. Pior: acusados de causar o dano ambiental e de venderem fotos e vídeos dos desastres para lucrarem com a tragédia, como teria sido com uma doação da ONG ambientalista WWF-Brasil, que repassou cerca de 70 mil reais à Brigada de Alter. Após três dias e duas noite, o quarteto foi solto com medidas cautelares e continua a ser investigado pela Polícia Civil do Pará. Os quatro voluntários são Daniel Gutierrez Govino, João Victor Pereira Romano, Gustavo de Almeida Fernandes e Marcelo Aron Cwerner. Neste domingo (8), Govino e Cwerner estavam em São Paulo. A dupla concedeu entrevista a VEJA.   

Por que vocês decidiram sair de São Paulo para viver em Alter do Chão?

Marcelo: Sempre tive uma ligação forte com a natureza. Eu trabalhava no mercado financeiro, passava os dias de terno e gravata, em um grande escritório em São Paulo. Comecei a não querer esperar o fim de semana ou as férias para ficar perto da natureza. Fui a Alter do Chão de férias e me apaixonei. Rapidamente comecei a investir por lá, para ter uma casa e um negócio. Com essa mudança, tive uma transformação na vida. Um mergulho maior com mais propósito. Um trabalho que fazia mais sentido. A partir de 2015, viajando com mais frequência para Alter, meu primeiro filho nasceu e levamos ele para lá com três meses de idade. Nos mudamos no começo de 2016. Comecei uma empresa de passeios turísticos com embarcações. Para mostrar aos turistas o que é a Amazônia. Sustentei a minha família com o turismo na região. Começamos a fazer o recolhimento de resíduo de orgânico e compostagem de restaurantes. Envolvemos mais pessoas da comunidade. E vi cada vez mais a necessidade de contribuir para proteger Alter do Chão.

Daniel: Em 2011, fui para lá passar um Ano Novo. Quando entrei no Tapajós, foi amor à primeira vista. Viajei por 8 meses e quando voltei não consegui ficar mais em São Paulo. Em 2015, eu já estava em Alter do Chão com uma casa construída e fiquei por lá.

Como surgiu a ONG Instituto Aquífero, que abrange a Brigada de Alter?

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Marcelo: A Brigada nasceu primeiro, em 2017. O Instituto foi aberto em fevereiro deste ano, e a Brigada era o carro-chefe, porque o Daniel e o João colocaram isso como prioridade. Houve uma crise internacional e de repente nos vimos inseridos nesse panorama. Era comum a atuação em várias ocorrências. Nesse ano, o fogo foi de proporções muito maiores na Amazônia. Houve uma comoção nacional e internacional. Com isso, veio o reconhecimento pelo trabalho que vinha sendo feito, o que resultou nas doações, como a da WWF.

Daniel: A maioria dos nossos apoiadores é formada por pessoas físicas. Sem contrapartida, sem recompensa. As pessoas acreditaram e doaram. No começo, eu e o João corríamos atrás de fogo com camiseta na cabeça. Agora vimos a possibilidade de nos profissionalizar. Entendíamos que assim como eu e o João nos doamos desde 2017 voluntariamente, precisávamos formar um grupo de pessoas na mesma linha, que estivesse atuando por amor e não por dinheiro. Depois, no futuro, sim, trabalhar por dinheiro. Porque nós temos que estar alertas da mesma forma como policiais e bombeiros.

Como surgiu a Brigada de Alter?

Daniel: Foi em 2017. Pegou fogo na casa de um amigo nosso e começamos a articulação com os Bombeiros. Eles atendem 13 municípios. Um quartel não dá conta. A Brigada nasceu com os bombeiros e ela sempre existiu junto com eles. A gente recebia comando. A Brigada sempre chegava primeiro. A gente subia o drone, coletava informações, combinava o ataque e ia para o fogo. Próximos do poder público.

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Qual foi a diferença entre a atuação deste ano e a de anos anteriores?

Daniel: Infelizmente, botam fogo na Amazônia todos os anos. Não tem a ver com o governo X ou Y. Foi assim que a Brigada surgiu. A diferença deste ano foi no tamanho. Quilômetros de linha de fogo. O prefeito nos pediu ajuda. Foi lindo o trabalho em conjunto. Foi muito bonito ver sociedade civil e o poder público atuando juntos. Também tivemos a ajuda de uma chuva, que foi essencial.

Como foi após terem conhecimento sobre a investigação?

Daniel: Quando fomos presos, foi uma tristeza. Cadê todo mundo agora? Era um trabalho muito sério. Temos um Instituto com CNPJ, contador, tem que ser tudo muito certinho. Fomos injustiçados sem nem olharem para a nossa conta do banco. Se tem corrupção, cadê o dinheiro? O dinheiro foi usado nos equipamentos, com nota fiscal. O que não foi para equipamento, está parado no banco. O equipamento da Brigada e os EPI’s, quando finalmente fomos para o fogo sem uma bota de pedreiro.

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Marcelo: Sabemos que não estamos sozinhos. Tem muita gente nos apoiando e nos fortalecendo. A Brigada está desarticulada, sem comando e suspensa. O poder público está fazendo o que lhes cabe. O MPF está envolvido, tem o trabalho de cada entidade. Os nossos equipamentos estão parados e os brigadistas estão apreensivos. Eles estão recebendo ataques, constrangimentos.

A Brigada pode continuar com as ações de combate aos incêndios?

Daniel: Os brigadistas estão recebendo ameaças, ataques virtuais, famílias virando a cara para eles. A gente fica com medo. Estamos ameaçados. Não sabemos de onde pode vir. Não dá para continuar. Não pode.

Como foi receber a notícia de que vocês estavam sendo investigados por causarem o fogo?

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Marcelo: É muito duro ser acusado do exato contrário do que você está fazendo. Se institucionaliza, dedica a vida, coloca muitos programas em segundo plano por uma atividade voluntária, por amor, por querer fazer o bem. Ser acusado de causar o mal é de ficar indignado. O nosso histórico, a nossa atuação, quem nos conhece, sabe que a gente defende a natureza, a gente largou São Paulo, abandonamos a vida anterior porque queríamos estar lá, a gente ama a floresta. E aí ser acusado de um crime ambiental é muito revoltante.

Daniel: Dá um desânimo grande de querer fazer um trabalho e de repente ser suspeito da exata coisa que você repudia e se dedica para que não aconteça. A gente deixava de trabalhar, deixávamos amigos na praia para atender uma ocorrência e aí receber uma acusação dessas, sem prova, sem nada. Algo forjado.

Há alguma chance de irregularidade com relação aos recursos recebidos?

Marcelo: Chance nenhuma. Zero. Sou economista de formação, trabalhei 12 anos no mercado financeiro. Fiz estudos econômicos de empresas gigantescas. Sempre tive uma abordagem extremamente rigorosa no Instituto. Tudo com nota fiscal e extremamente documentado. A responsabilidade é grande e a gente tem uma seriedade enorme na gestão desses recursos. Era rígido a ponto de checar a razão social da transferência do dinheiro e do recebimento do recurso. Isso sempre esteve à disposição das autoridades. A gente age de acordo com a Receita Federal. Fazemos um trabalho extremamente sério e profissional. Criei um regimento da tesouraria explicando como poderia ser feito o uso do recurso, tudo sempre com dupla aprovação, reembolso ou adiantamento, recibo, mecanismos que impediriam qualquer tipo de desvio ou irregularidade. Nossas contas estão lá, prontas para serem mostradas para quem quiser, para tirar qualquer dúvida sobre supostas motivações para crimes.

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Vocês atribuem o que aconteceu com vocês a mudanças no cenário político deste ano?

Marcelo: Na nossa conduta, nunca levamos em consideração qualquer tipo de ideologia, cenários de polarização, governos. Nossa missão é muito prática. Apagar fogo e articular com os poderes públicos, independentemente de partido ou gestão. Não somos ativistas. Não somos contra qualquer coisa. Somos a favor. Somos a favor da natureza, para que as pessoas entendam a importância da Amazônia para todos.

Daniel: A Amazônia é 61% do território nacional, 25 milhões de pessoas moram nela, a maioria urbana. É um território estratégico para qualquer governo. E nenhum deles foi bom para a Amazônia. Precisamos entender que esse lugar é muito importante para o planeta Terra. Mas enquanto nenhum governo entender isso, talvez a Amazônia vire deserto e o planeta vire Marte. Não importa a bandeira. 

Marcelo: Se a Amazônia for destruída, não faz diferença quem era contra o quê. Todos vão estar muito mal.

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