Familiares de Marielle Franco depõem no julgamento dos réus pelo assassinato
Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz vão ao Tribunal do Júri no RJ pela execução da vereadora em 2018. Acusação deve pedir 84 anos de prisão para dupla
Familiares de Marielle Franco e de Anderson Gomes, motorista da ex-vereadora também morto no dia de seu assassinato, prestaram depoimento nesta quarta-feira, 30, durante o julgamento de Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz. Os dois, réus confessos na execução da parlamentar, vão a júri popular no Fórum Central do Rio de Janeiro. A sessão no Tribunal do Júri começou nesta manhã, e é conduzida pela juíza Lúcia Glioche. É ela que, depois da decisão do júri popular, vai definir o tamanho da pena dos réus.
Um dos pontos que ainda não foram totalmente esclarecidos pelas investigações, o motivo da morte de Marielle, foi abordado especialmente nos depoimentos de sua ex-assessora, Fernanda Chaves — que também estava no veículo com as vítimas no dia do crime —, e da viúva da parlamentar, a hoje vereadora reeleita Monica Benício.
Ambas apontaram a política do direito à moradia como uma das prioridades da ex-parlamentar. A intenção dos irmãos Brazão, apontados como mandantes da execução, em flexibilizar a legislação para a grilagem de terras é uma das linhas centrais para a motivação do caso.
Já a mãe da ex-vereadora, Marinete da Silva, e a viúva de Anderson, Ághata Reis, descreveram o perfil das vítimas em depoimentos emocionados. Acompanhe ao vivo:
“Marielle veio de um lugar e tinha o entendimento de direitos humanos. Então, ela faz isso com bastante propriedade quando ela chega naquele lugar”, disse Marinete, após contar que “não sentia coisa boa” em seu coração “em relação ao mandato partidário” da filha.
A mãe da ex-vereadora também contou que Marielle sempre demonstrou maturidade e responsabilidade, ao ajudar em casa e trabalhar desde cedo para complementar a renda familiar. E lembrou ainda que ela buscava se destacar tanto enquanto aluna, como depois, como professora. Marinete detalhou também o impacto causado pela morte da filha na família, pediu uma condenação justa e destacou que, apesar da dor, não guarda ódio.
Viúva de Marielle, a hoje vereadora reeleita Monica Benício se emocionou ao falar da relação com a ex-vereadora, da última frase ouvida por ela — um “eu te amo” — e de seu processo de luto. “Ela estava feliz de ter o retorno do trabalho dela aparecendo e ela se entendendo naquele espaço, sendo como vereadora na Câmara, como figura partidária ou como figura política que tinha chance de se desdobrar para além do Rio de Janeiro”, afirmou.
Para Monica, “com certeza” Marielle “tinha a preocupação da defesa da cidade”. “Como era uma pauta que me interessava, eu sempre acompanhei de perto. Ela tinha uma arquiteta urbanista que estava no mandato dela para discutir a cidade de maneira interseccional. A gente pensa a cidade de muitas frentes. E como a Marielle defendia a questão da moradia de forma digna, da favela e periferia, isso era um debate”, explicou.
O tema foi referendado por Fernanda Chaves, primeira a depor. Ela afirmou que tinha o direito à moradia como uma de suas pautas centrais, além das políticas urbanas para comunidades periféricas. E que Marielle atuava também pela inclusão e pelos direitos humanos, especialmente de mulheres negras e LGBT+.
A jornalista, que assessorava Marielle e foi uma das vítimas do atentado, contou que a ex-vereadora costumava sentar na frente do veículo nas viagens, mas naquele dia estava ao seu lado, no banco de trás. No momento dos disparos, o carro andava devagar e ela, como reflexo, se abaixou, antes de sentir o corpo de Marielle cair sobre o seu. Fernanda disse ainda que, imediatamente após o carro ser atingido, pensou se tratar de um tiroteio que já ocorria quando passavam, sem perceber que eram tiros direcionados.
Já a viúva de Anderson, motorista do veículo em que estava a parlamentar, abordou também sua relação com o ex-marido, que deixou à época um filho com menos de dois anos, fruto do relacionamento dos dois.
“Eu espero que as pessoas que me tiraram o Anderson, que tiraram o pai do Arthur, que elas paguem pelo que elas fizeram”, completou, ao destacar também a dor sofrida depois que o filho teve de passar por uma cirurgia grave seis meses depois da morte do pai.
O julgamento
Réus no tribunal do júri, Lessa e Queiroz serão ouvidos por videoconferência, das penitenciárias onde estão. O primeiro está preso em Tremembé, no interior de São Paulo, e o segundo, em Brasília.
Os dois respondem pelo duplo homicídio triplamente qualificado — por motivo torpe, emboscada e recurso que dificultou a defesa da vítima — contra Marielle e Anderson Gomes, seu motorista no dia da execução, além da tentativa de homicídio contra Fernanda Chaves, igualmente qualificada de forma tripla. Com isso, a acusação deve pedir 84 anos de prisão para a dupla.
Lessa e Queiroz estão presos desde março de 2019, quando foram denunciados pelo Ministério Público do Rio, após ação do Grupo de Atuação Especializada no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) com a Delegacia de Homicídios da Polícia Civil. Desde 2023, contudo, Queiroz e Lessa assinaram delações sobre o caso, em que confessaram sua participação no crime.
Queiroz disse ter dirigido o veículo usado para o crime e apontou Lessa como o responsável pelos disparos. Em seguida, Lessa reconheceu ter sido o executor de Marielle, apontando ainda os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, respectivamente conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro e deputado federal, como mandantes da execução. Ele também disse que o delegado de Polícia Civil Rivaldo Barbosa atuou junto aos Brazão na organização do crime e ao dificultar sua elucidação. Tanto Barbosa quanto os Brazão estão presos desde então.