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Estevão Ciavatta: “Reaprendi a viver”

O diretor conta como, depois de ficar tetraplégico, superou as sequelas de um grave acidente

Por Sofia Cerqueira Atualizado em 3 nov 2023, 11h14 - Publicado em 3 nov 2023, 06h00

Em poucos segundos, minha vida mudou completamente. Passava um fim de semana tranquilo no sítio, na Costa Verde do Rio, quando resolvi dar uma volta a cavalo, como sempre fazia. Parei num trecho do terreno, caminhei e, ao subir de novo no animal, que estava comigo havia dez anos, ele deu um coice. Consegui me agarrar em seu pescoço e ainda me ajeitava no momento em que ele, mais uma vez, levantou as patas traseiras. Voei e caí de cara no chão. Foi tão brusco que não deu tempo de me proteger. Com o rosto ensanguentado, minha primeira reação foi usar os braços para me erguer. Aí veio o choque. Meu corpo não respondia, nada mexia. As horas que se seguiram foram as piores da minha vida. Consciente, pedi ao administrador do local, que me acompanhava, para avisar minha mulher (a atriz Regina Casé) e não deixar ninguém tocar em mim, até a chegada dos médicos. Isso ajudou a me salvar. Depois de quarenta minutos na mesma posição, embarquei numa ambulância. Fui operado de emergência e logo saiu o diagnóstico: estava tetraplégico.

Prestes a completar quinze anos do acidente, sinto que preciso agradecer às pessoas que me ajudaram nesta duríssima batalha e contribuir, em alguma medida, com quem enfrenta situação semelhante. Por isso, decidi abrir minha história, da qual pouco falei até agora, em um documentário, que gravarei no ano que vem. Muita gente me vê na rua, andando, e diz que sou “um milagre”. Nenhum médico vai falar nesses termos, mas sei que meu caso é fora do padrão. Tive uma lesão na medula na altura da cervical 3, parecida com a do ator Christopher Reeve (o ex-Super-Homem), que ficou tetraplégico. Passei sete dias internado na UTI, mais dez no quarto do hospital e dois anos inteiros preso a uma cadeira de rodas. Do pescoço para baixo, perdi movimentos, sensibilidade, equilíbrio, força, tudo. Um dia, com o futuro tão incerto e só conseguindo me expressar pela fala, disse a minha mulher que o jeito seria virar cantor. Ela achou que era brincadeira, mas não: era sério.

Desde o início, tentei evitar a pergunta que costuma rondar as pessoas numa hora dessas: “Por que eu?”. Mas era inevitável. Chegou a um ponto, com aquele sofrimento todo, que levei a questão a meu analista. A frase certa, ele ressaltou, seria “por que não eu?”. Queria me mostrar que não era mais especial do que ninguém. Atravessei fases de raiva e desespero. Percebi, porém, que era fundamental manter o humor e a alegria para continuar vivendo e ajudar no tratamento. Fazia cinco horas de fisioterapia por dia. A primeira vez que mexi a perna foi uma emoção imensa. Quando fiquei de pé, foi uma choradeira geral. E assim reaprendi tudo — segurar um copo, escrever, me vestir, andar, dirigir. Viver virou uma grande fisioterapia.

O trabalho teve papel vital. Ainda entrevado, retomei as gravações de séries que dirigi para o Fantástico. Me envolver em projetos com temas como meio ambiente e grupos indígenas, que sempre gostei, também me fizeram entender que a cooperação e a união são fundamentais, inclusive num processo de regeneração pessoal, como o meu. Hoje, vejo que renasci. Você começa a olhar as coisas de outra maneira, não deixando o que é importante para trás. A fé me ajudou. Costumo dizer que, como Caetano Veloso, sou católico de axé. Para celebrar as bênçãos que recebi, resolvi fazer uma missa de ação de graças no Cristo Redentor, para marcar os quinze anos do acidente. Agora, estou às voltas com filmes, séries e especiais (o mais recente documentário, Línguas da Nossa Língua, vai estrear na HBO Max). Recuperei 85% dos movimentos e consigo até bater bola com meu filho, Roque, de 10 anos. Fiz de uma frase de Mário de Andrade meu lema: “Sofrimento nunca atrapalhou felicidade”.

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Estevão Ciavatta em depoimento dado a Sofia Cerqueira

Publicado em VEJA de 3 de novembro de 2023, edição nº 2866

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