Em mais de seis décadas, CLAUDIA acompanha as transformações lideradas pelas mulheres
Marca acelerou uma reviravolta necessária, ao avesso do preconceito

Era um tempo constrangedor, visto aos olhos de hoje. As mulheres chamadas de “sexo frágil”, expressão que incomoda e irrita, dada a irrealidade e estupidez. Era 1961, e a Editora Abril investiu um ano para analisar profundamente as necessidades e a evolução do público feminino do Brasil. Em 28 de setembro de 1961, enfim, chegou às bancas uma revista que prometia ser “moderna e vibrante como suas leitoras”. Ao longo de mais de seis décadas, CLAUDIA revelou-se muito mais do que uma amiga. Foi vanguardista ao tratar de temas espinhosos, como as experiências pré-conjugais, a lei do divórcio, a equidade salarial, a emancipação social e sexual, o aborto, a aids — enfim, todos os dilemas de cada época.
A primeira edição, celebradíssima, foi distribuída em mais de 700 cidades do país, voltada para a faixa mais exigente do público feminino e impondo um novo padrão de qualidade, até então desconhecido nas publicações do gênero. Um passeio por aquelas páginas hoje amareladas é como uma viagem a um tempo em que os supermercados eram novidade e os eletrodomésticos prometiam mudar a vida das “donas de casa”. Ao longo desses anos todos, muito mais do que “traduzir” o mundo para as leitoras, CLAUDIA passou a destacar as mudanças comportamentais lideradas por mulheres. Desde 2022, o projeto editorial celebra o feminino que está em todas as pessoas e os valores associados a esse conceito. “É o chamado sentido feminino, acolhedor, maternal, doce, meigo, mas principalmente transformador e forte”, diz Helena Galante, diretora de portfólio de CLAUDIA e Boa Forma.

Hoje é normal (na verdade, é desejado) que as capas tragam mães solo, duas mães ou mulheres trans, mas nunca é demais lembrar que nem sempre foi assim — e que a revista desempenhou papel fundamental para a chamada libertação feminina. Nas palavras da estilista Gloria Kalil, colaboradora contumaz de CLAUDIA, autora de um interessantíssimo artigo na edição comemorativa do 40º aniversário: “Nos anos 1950 a moda era tratar a mulher como um lindo e precioso bibelô doméstico, cuja função na vida era ser esposa e mãe de família. Esta revista, porém, escolheu revelar uma mulher que começava a se perguntar se não havia nada mais interessante para fazer do que limpar obsessivamente a casa, lavar as roupas das crianças e se arrumar para receber o marido no final do dia e apresentar uma mulher para o espaço público, curiosa, estudada, lida, ativa, com profissão e nova atitude com relação ao lar, aos filhos, aos homens, à independência financeira”.
Entre incontáveis reportagens pensadas, produzidas e publicadas com o intuito de confrontar tabus, marcar posição e abrir espaços, vale destacar que, ainda na década de 1960, CLAUDIA tratou de virgindade e pílula anticoncepcional, dos prós e contras do divórcio (em contraposição ao desquite, única forma prevista na lei brasileira da época para a separação de casais), de mulher e futebol, da regulamentação do trabalho feminino e do preconceito contra as que buscavam uma atuação profissional nas mais diferentes áreas do conhecimento. Nos anos 1970, quando já havia mais meninas do que meninos nas escolas brasileiras mas apenas 22,3% das jovens e adultas tinham uma ocupação remunerada, as páginas tratavam a cirurgia plástica (a pioneira foi nos seios) como uma conquista feminina e já traziam a ameaça da poluição como uma grande questão ligada à preservação do meio ambiente.
Foi nesse início que uma psicóloga de Niterói desempenhou papel decisivo na construção dessa nova imagem multitarefas, sem limites nem imposições. Ela se chamava Carmen da Silva e manteve, a partir de 1963, a seção A Arte de Ser Mulher, falando dos direitos, das angústias e dos problemas femininos. “É só querendo, fazendo e sendo — com toda a angústia, com todos os riscos que isso implica — que perdemos a condição de joguetes do acaso e assumimos o caráter de protagonistas desta aventura apaixonante e singular que é a própria existência”, escreveu em uma de suas primeiras colunas.

Mais tarde, ela refletiu sobre o sucesso de seus textos, que ajudaram tantas leitoras a escolher suas profissões, seus amores, suas aptidões: “Eu havia recém-chegado do exterior e sabia aonde queria chegar, mas fui devagar, testando a receptividade de cada tema. Quando comecei a receber críticas, algumas muito fortes, senti que tinha construído um vínculo com as leitoras, tínhamos ficado amigas”. Carmen morreu em 1985, num momento em que CLAUDIA lutava contra o feminicídio (“quem ama não mata” era um slogan recorrente), mostrava como a sexualidade estava muito mais liberada, revelava as vantagens e desvantagens de ser mãe de aluguel e celebrava as profissionais que ganhavam mais do que eles.
E assim continua sendo até hoje: as angústias provocadas pela aids, no início da década de 1990, a hipocrisia por trás da proibição do aborto, a necessidade de conhecer o próprio corpo para exercitar o prazer, as mudanças na relação com o casamento e os filhos. Em 2020, a revista trouxe pela primeira vez uma mulher trans na capa — ou melhor, quatro, numa edição que celebrava a diversidade e a liberdade. “Dentro de CLAUDIA tem a ideia de clã, de conjunto, de coletividade, de como cada uma de nós pode beneficiar as pessoas que estão ao nosso redor”, resume Helena. E isso, claro, numa gama de assuntos cada vez mais ampla: de economia à independência para realizar sonhos, da ambição profissional à política, do bem-estar ao autocuidado, sem esquecer o que significa uma família hoje em dia. “O mais importante”, diz Helena, “é mostrar nossas possibilidades de ação sobre o mundo.” É o que fazia, aliás, Ziraldo com a inteligente charge The Supermãe, que nos anos 1980 fechava a publicação.
Se antes o canal de comunicação eram as páginas da revista, hoje a interação se dá principalmente no digital, por meio do site, do aplicativo e das redes sociais. Só no Instagram e no Facebook, 11 milhões de pessoas se conectam com CLAUDIA todo mês. Além disso, o podcast Jornada da Calma (há mais de 300 semanas ininterruptas no Spotify) está entre os mais ouvidos nos temas saúde e bem-estar. Presencialmente, o evento Casa Clã é um espaço para as mulheres se apoiarem e celebrarem conquistas — artistas, escritoras, chefs e outras tantas profissionais bem-sucedidas que inspiram a crescer e se superar. E a marca ainda está presente na vida das pessoas graças ao licenciamento de produtos como panelas, travessas, pratos, perfumes e objetos de decoração, numa linha batizada de Seleção CASA CLAUDIA. “É um grande orgulho dar continuidade a essa história, com uma marca tão importante que continua se posicionando ao lado da mulher real, que entende nossas necessidades do dia a dia e tem os dois pés no chão, fala de vida prática e usa seu alcance para valorizar as mulheres que estão transformando o Brasil e o mundo, pois ainda temos muitas disparidades de gênero na sociedade”, completa Helena. CLAUDIA será sempre uma grande amiga.
Comer com os olhos
A relação com a cozinha sempre foi um dos principais destaques da mais conhecida marca feminina. No início, eram truques caseiros (testados e aprovados) e hoje há também ideias de chefs celebrados pela alta gastronomia

As receitas postadas no aplicativo de CLAUDIA fazem imenso sucesso, em cliques cobiçados. São ideias de pessoas que apenas se aproximam do forno e do fogão por genuíno prazer, mas também de chefs estrelados. É herança da história original da revista. Em mais de seis décadas, CLAUDIA lançou incontáveis encartes e deu origem a diversos “filhotes”, como NOIVA CLAUDIA, Ele & CLAUDIA, Moda & Beleza, CASA CLAUDIA e, talvez a mais associada diretamente com a revista-mãe, CLAUDIA COZINHA. Desde o início, a revista trazia receitas, tanto para o dia a dia quanto para festas e ocasiões especiais. A primeira grande revolução foi a montagem da Cozinha Experimental de CLAUDIA. Ela foi inaugurada em 1965, no 12º andar de um prédio no centro de São Paulo, e tinha como missão testar todas as receitas publicadas (muitas delas enviadas por carta para a redação). A torta de nozes da Nora rendeu a essa leitora um fogão Wallig novo, o primeiro de muitos prêmios distribuídos. Em 1972, a cozinha foi transferida para o Estúdio Abril, facilitando o processo de fotografar, com qualidade exemplar, como se vê na imagem ao lado, os ingredientes, o passo a passo e o resultado final. Comida também é sinônimo da trajetória de CLAUDIA.
Publicado em VEJA de 27 de junho de 2025, edição especial nº 2950