Em disputa polarizada, ‘penetras’ esquentam briga eleitoral de São Paulo
Com potencial para causar estragos à direita e à esquerda, Tabata Amaral e Ricardo Salles pressionam favoritismo de Guilherme Boulos e Ricardo Nunes
Desde que começaram as primeiras movimentações no xadrez político para ocupar a cadeira da maior cidade do país, o eleitorado paulistano se viu confrontado com um cenário que indicava uma disputa entre dois nomes, um à direita, outro à esquerda, em um desenho semelhante à polarização que permeia o cenário nacional. De um lado, Guilherme Boulos (PSOL), deputado mais votado no estado, apoiado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, por ora, líder nas pesquisas. Seu principal rival é o atual dono da cadeira, o prefeito Ricardo Nunes (MDB), que vem tentando costurar um amplo leque de alianças, com partidos como PSD, Progressistas e Republicanos — além, claro, do PL do ex-presidente Jair Bolsonaro, de quem espera contar com o apoio em 2024. Além de ser a mais importante eleição municipal do país, a disputa chama atenção por se apresentar como uma espécie de tira-teima das forças que continuam monopolizando a cena política do país, depois de duelarem no último pleito presidencial.
Nas últimas semanas, no entanto, dois outros nomes vêm ganhando espaço no ringue da campanha. Um dos “azarões” é Tabata Amaral, uma deputada do PSB de 30 anos que pode roubar votos à esquerda, atrapalhando a vida de Boulos, mas tem chance também de conquistar parte do eleitorado do centro. O vice-presidente, Geraldo Alckmin, que é do PSB, promete subir no palanque, independentemente de seu chefe, Lula, estar ao lado de Boulos. Outro integrante do partido, o ministro Márcio França, é um dos principais entusiastas da candidatura de Tabata. A jovem parlamentar tem conversado com PDT, Podemos, Avante e até PSDB, sendo que este último era tido como apoio certo de Nunes. Nas últimas semanas, ela convidou José Luiz Datena para figurar como vice de chapa, embora ninguém acredite mais na real disposição de o apresentador entrar na política. Aliados avaliam que Tabata tem como trunfos a baixa rejeição, a ficha-limpa e a capacidade de penetrar nas bolhas da direita e da esquerda. “São Paulo está um caos, tem bilhões em caixa que não foram usados com inteligência. Precisa tornar-se uma ‘grande cidade’ na educação e nas oportunidades”, afirma ela.
Enquanto isso, turbulências à direita abriram espaço para uma candidatura concorrente à de Ricardo Nunes. O movimento é insuflado pelo bolsonarismo-raiz, que anda muito insatisfeito com o prefeito e com o governador do estado, Tarcísio de Freitas. Na percepção desse grupo, ambos querem os votos do eleitorado cativo do ex-presidente, mas se recusam a abraçar integralmente as pautas mais radicais. Eles tentaram mostrar força em um ato na Avenida Paulista no último dia 26, que contou com a presença do “prefeiturável” que está sendo adotado pela turma, Ricardo Salles. O ex-ministro e atual deputado do PL procura agora uma legenda para se lançar, pois o partido deve seguir ao lado de Nunes — o cacique da sigla, Valdemar Costa Neto, declarou que aceita liberar Salles para outra agremiação. “Estou conversando com quatro partidos, mas não quero fechar a porta para o PL”, diz Salles, confiando ainda numa reviravolta. Além da legenda, outra incógnita é o apoio de Jair Bolsonaro. Nos bastidores, o ex-presidente tem dado sinais de que não irá declarar apoio a nenhum candidato, embora veja com simpatia as ambições do seu ex-ministro.
A presença de Tabata e Salles certamente vai tornar o pleito ainda mais disputado. Apesar das críticas dos rivais, Nunes vem crescendo nas pesquisas e, com o caixa cheio da prefeitura, tem cacife para chegar mais longe, à base de transformar a cidade num canteiro de obras. Boulos, por sua vez, dependerá muito de como estará a popularidade de Lula no próximo ano. Sinais emitidos pelas últimas pesquisas preocupam o Palácio do Planalto, pois indicam uma leve tendência de alta na desaprovação ao presidente. Para além do atual equilíbrio de forças, a disputa paulistana tem um histórico de imprevisibilidade. De um pleito para outro, o eleitorado muda radicalmente de lado. Em 2016, por exemplo, disputando a reeleição, Fernando Haddad (PT) nem sequer chegou ao segundo turno contra o estreante João Doria (PSDB).
Segundo especialistas, o desempenho de Lula, Bolsonaro, Tarcísio e Alckmin perto da eleição será importante. “O conhecimento da cidade tem peso grande, mas os padrinhos têm peso muito maior”, diz Murilo Hidalgo, presidente do Paraná Pesquisas. Outro fator pode ser um eventual fastio com a polarização dos últimos anos, o que pode beneficiar uma candidatura alternativa. É isso o que alimenta os sonhos dos penetras Tabata e Salles neste momento.
Publicado em VEJA de 1º de dezembro de 2023, edição nº 2870