Disputa por três cadeiras no STJ provoca acirrada campanha nos bastidores
Seis dezenas de candidatos vão à luta em briga que envolve chumbo trocado, padrinhos poderosos e o olhar atento de Lula
A aposentadoria da presidente do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, em outubro, deixará vaga na Corte uma cadeira vistosa na hierarquia da Justiça brasileira. Mas o posto não tem sido o único a animar os bastidores da alta roda do Judiciário. Há três posições abertas no Superior Tribunal de Justiça, para as quais concorrem mais de seis dezenas de candidatos em uma campanha acirrada, que conta com chumbo trocado (e pesado) nos bastidores, contratações de assessorias especializadas em abrir portas, padrinhos de grosso calibre e, claro, o interesse direto do governo Lula.
Assim como ocorre com o Supremo, as indicações dos magistrados serão feitas pelo presidente. A diferença é que o petista definirá os nomes a partir de listas elaboradas pelos 30 ministros do STJ — no STF, o chefe do Executivo tem a prerrogativa de indicar livremente alguém, como fez com o seu ex-advogado Cristiano Zanin Martins. A composição do STJ, a segunda Corte mais importante do Judiciário, também obedece a alguns critérios. Estão em jogo agora uma vaga destinada à advocacia, deixada pelo ex-ministro Felix Fischer e disputada por seis candidatos eleitos em junho na OAB, e duas vagas a desembargadores de Tribunais de Justiça estaduais, abertas com a aposentadoria de Jorge Mussi e a morte de Paulo de Tarso Sanseverino — neste caso, há nada menos que 57 candidatos. Os magistrados decidirão em 23 de agosto quais serão os três advogados e os quatro desembargadores cujos nomes serão enviados a Lula, que indicará quem passará por sabatina no Senado.
A campanha esquentou de vez nos últimos dias. À caça dos votos dos ministros, os candidatos chegam a fazer fila nos gabinetes para serem recebidos em audiências. Em busca do corpo a corpo com quem influencia o colégio eleitoral do STJ, há também quem tenha investido em viagens internacionais, a exemplo do Fórum Jurídico de Lisboa, organizado pelo ministro do STF Gilmar Mendes em Portugal e prestigiado pela elite do Judiciário e da política, em junho.
Mesmo a disputa pela vaga da OAB, embora menos concorrida, tem desfecho imprevisível. Os nomes da brasiliense Daniela Teixeira, do mineiro Luís Cláudio Chaves e do cearense Otávio Rodrigues são citados como os mais fortes. Interlocutores de Lula dizem que, caso chegue à lista tríplice, Daniela Teixeira, a mais votada na OAB, pode levar alguma vantagem por ser a única mulher no páreo em um momento em que o petista tem sido cobrado por diversidade nas indicações a tribunais. A candidata, no entanto, já disse a pessoas próximas não ver o gênero como trunfo. Outros apostam em uma atuação mais discreta, como o capixaba Luiz Cláudio Allemand, ex-conselheiro do CNJ, enquanto há quem enfrente resistências na esquerda, caso do baiano André Godinho, que já foi fotografado ao lado de Jair Bolsonaro. A lista inclui ainda Márcio Fernandes, ex-diretor jurídico da gigante do tabaco Souza Cruz. “O STJ é um funil muito difícil, são votos secretos e muito solitários”, analisa um dos postulantes à vaga.
Entre as quase seis dezenas de desembargadores inscritos, nomes dos tribunais da Bahia — estado com força política crescente, mas sem representante no STJ — e de São Paulo são vistos como mais fortes. Estão na lista os baianos Mauricio Kertzman, Roberto Frank e Jatahy Junior e os paulistas Carlos von Adamek, Airton Vieira e Marcelo Semer, este com mais trânsito entre advogados progressistas. Outros nomes bem avaliados são Elton Leme, do Rio de Janeiro, e Samuel Brasil, do Espírito Santo.
Padrinho poderoso é o que não falta na disputa. Além do ótimo trânsito no STJ, Daniela Teixeira é apoiada formalmente pelo Prerrogativas (grupo de advogados próximo a Lula) e por petistas graduados como a presidente do PT, Gleisi Hoffmann , e conta com a simpatia de nove ministros do STF. Já o seu adversário Luís Cláudio Chaves tem como entusiasta o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, de quem foi auxiliar no Congresso. O líder do governo no Senado, Jaques Wagner, e o ministro Rui Costa, ambos baianos, pendem para Mauricio Kertzman. Otávio Rodrigues e Carlos von Adamek são próximos do ministro Dias Toffoli, cujo colega de Supremo Alexandre de Moraes é aliado de Airton Vieira.
Lula tem muito interesse na disputa. As três indicações representam 10% das cadeiras e podem ajudar a mudar o ambiente em uma Corte vista como hostil. Embora governos do PT tenham indicado 24 dos atuais 30 ministros, o presidente teve derrotas na Lava-Jato. A Quinta Turma, que julgava casos da operação, confirmou a condenação no caso do tríplex. Dois ministros a serem substituídos integravam o colegiado: Fischer e Mussi. Até em razão desse histórico, nomes do STJ foram vistos com reserva por Lula na hora de pensar em indicações ao STF. “As escolhas podem mudar a correlação de forças”, diz um aliado do petista. Como se nota, a corrida ao tribunal, com toda data venia, é tão política quanto qualquer eleição em Brasília.
Publicado em VEJA de 9 de agosto de 2023, edição nº 2853