Desastre prolongado
O vazamento de Mariana, em 2015, matou 19 pessoas, desabrigou famílias e destruiu a vida fluvial. Três anos depois, as vítimas ainda não foram compensadas
No dia 5 de novembro de 2015, o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, liberou 56 milhões de metros cúbicos de lama com resíduos de mineração. O efeito foi devastador. Dezenove pessoas morreram e famílias perderam tudo — casa, móveis, roupas, carro. A lama desceu o Rio Doce por 700 quilômetros até desaguar no mar do Espírito Santo — e, nesse trajeto, provocou a morte de 11 toneladas de peixes de 88 espécies, entre elas roncador, linguado e peroá. Também foram afetadas 248 espécies de aves, 35 de mamíferos e 28 de anfíbios. Colônias de camarões de rio examinadas por biólogos foram contaminadas com alto índice de ferro, o que as torna impróprias para o consumo, quebrando a base econômica de muitos pescadores. Efeito colateral imediato da lama, a falta de penetração de luz prejudicou a fotossíntese de plantas. Passados três anos, ainda não ocorreram as compensações e reparações por esse que foi o maior desastre ambiental do Brasil.
Seis meses após o vazamento da usina da Samarco, criou-se a Fundação Renova, que se propunha a resolver — em tese, com celeridade — os problemas acarretados pelo desastre. A Renova é controlada pelas duas empresas que, em sociedade, são proprietárias da Samarco — a brasileira Vale e a anglo-australiana BHP —, com participação do Ministério Público, Ibama e Funai, entre outras entidades. Acertou-se a realização de 42 programas de reparos socioeconômicos e ambientais, com prazos fixos. Até hoje, porém, menos de 20% deles foram cumpridos integralmente. Dos 20 bilhões de reais de investimento previstos, apenas 5,2 bilhões foram gastos. Das 5 000 nascentes que deveriam ser recuperadas, somente 20% receberam o tratamento prometido.
O socorro social foi igualmente precário. Nenhum morador que teve a casa soterrada voltou a morar na própria terra — a Renova só paga aluguéis. “Meus pais recebem um salário mínimo, uma cesta básica e ração para o gado enquanto não recuperam a casa”, diz o engenheiro Johne Mol. A promessa de entregar uma vila com ruas, calçadas, comércio e 240 casas aos ex-moradores de Bento Rodrigues, distrito completamente destruído pelo vazamento, não saiu do papel. “Parte da demora se dá porque a Renova não escuta as demandas individuais das vítimas”, diz o promotor André Sperling, da Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Social. Agora, o novo prazo para a construção da vila é 2020. Escaldados, os potenciais beneficiados estão incrédulos.
A fundação desembolsou mais de 40 milhões de reais com advogados, quase sempre com o intuito de minorar custos — acertar indenizações mais baixas para a empresa e contestar ou protelar multas ambientais, por exemplo. Embora a atribuição exclusiva da Renova seja tratar dos afetados pela ruptura da barragem de Fundão, a entidade já está fazendo o cadastro dos atingidos pela tragédia em Brumadinho. O que não se sabe, ainda, é se trabalhará para minorar o sofrimento das vítimas ou batalhará por indenizações menores — assunto do artigo de Cristina Serra, nas páginas seguintes.
Com reportagem de Jennifer Ann Thomas
Publicado em VEJA de 6 de fevereiro de 2019, edição nº 2620
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