Denúncias de corrupção assolam Conselho Federal de Administração
Autarquia é acusada de plagiar sistema de tecnologia avaliado em 25 milhões de reais
Uma versão brasileira da série Batalha Bilionária, da Netflix, corre nos bastidores do Conselho Federal de Administração. Na produção baseada em fatos reais, um grupo de engenheiros de softwares alemães tem uma nova tecnologia descaradamente plagiada pelo Google nos anos 90. A ferramenta, hoje mundialmente conhecida, é o Google Earth.
Algumas décadas depois, caso semelhante acontece abaixo dos trópicos. O ex-presidente do Conselho Federal de Administração (CFA) Wagner Huckleberry, junto com o diretor Marcelo Borges, da Fattoria Web, processam a autarquia, a Empresa de Tecnologia da Informação do Ceará (ETICE), as Universidades Federal do Cariri (UFCA) e a Federal do Ceará (UFC) por plagiarem um software milionário. A tecnologia em questão é o Sistema Integrado de Fiscalização e Autoatendimento (SIFA), criada em 2012 e empregada pelo CFA desde 2017, durante o mandato de Huckleberry.
Segundo os denunciantes, as ilegalidades começaram em 2019, quando Mauro Kreuz assumiu a liderança do conselho. Logo nos primeiros meses de mandato do novo presidente, uma comissão formada por 15 conselheiros estaduais de Administração ficou responsável por discutir e votar pela continuidade do SIFA no órgão. A decisão foi quase unânime – não fosse pelo posicionamento contrário de Leonardo Macedo, nome à frente da autarquia no Ceará.
Apesar do resultado favorável ao SIFA, a diretoria optou romper com a Fattoria Web, que já não recebia pelo trabalho há meses por determinação do CFA, alegando erros e insuficiência da ferramenta. De acordo com relatos de Borges, ele foi coagido a embarcar em um esquema de fraude do órgão e, uma vez que não aceitou fazer parte da quadrilha, foi colocado para fora. “Começaram a espalhar que eu pagava aos presidentes dos estados para manter o contrato. Vieram falar comigo sobre esse boato inventado por pessoas mal intencionadas, não em tom de reprovação, mas querendo ser incluídos no suposto esquema”, afirmou a VEJA.
Foi então que a Fattoria Web começou a investigar de forma independente o que se passava nos corredores do CFA. Logo descobriram um plano robusto para copiar a tecnologia do SIFA, avaliada em cerca de R milhões, assim como no clássico drama envolvendo o Google.
As descobertas chocaram Borges e Huckleberry. Agentes de instituições públicas no Ceará haviam sido contratados para decodificar e fraudar o sistema. E a empresa cearense Tribos Tecnologia e Marketing Ltda, que sequer possuía expertise em desenvolvimento de softwares, e velha conhecida do presidente do CRA-CE, foi escolhida a dedo para ganhar uma nova licitação interna. Segundo os lesados pelo esquema, a estratégia da gestão é simular o pagamento a um prestador de serviços quando, na realidade, o dinheiro não sairia das mãos da diretoria do CFA.
Para reforçar a investigação interna, a Fattoria Web contratou outra consultoria renomada, a NS Space, que apurou o plágio por seis meses e confirmou a fraude. Apesar do complexo planejamento, os acusados deixaram rastros digitais contundentes de suas ilegalidades.
Por exemplo, segundo a perícia, Rafael Cavalcanti Teixeira, dono da Tribos e publicitário terceirizado do CRA-CE, acessou o sistema mais de 37 mil vezes após ter conseguido um login master a pedido de Macedo que não explicou as motivações para tal decisão. “CRA-CE e a Tribos registraram a patente da cópia do SIFA 14 dias antes da licitação fraudada onde a Tribos foi a vencedora. Voltaram 14 dias no tempo para registrar no INPI, um órgão sério, um produto plagiado”, indigna-se Huckleberry.
Ainda no SIFA do Ceará, foram encontrados anexos de capturas de tela do sistema contrafeito e o usuário de teste era a esposa de um dos analistas que participaram da contrafação. A cópia era tão escandalosa que, além do layout, cor e fonte da tecnologia, as telas de erro e bugs também foram detalhadamente imitadas.
Um boletim de ocorrência na Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática, no Rio de Janeiro foi aberto, mas a investigação se arrasta a passos de formiga. Por outro lado, assim que a Polícia Federal tomou conhecimento do caso, abriu um inquérito, que foi encaminhado ao Ministério Público e segue em sigilo.
A VEJA, Leonardo Macedo rebate a acusação e afirma que é ele quem está sendo difamado e lesado pelos ex-colegas. Macedo ainda aponta que a estreita relação entre Borges e Huckleberry se trata de uma parceria fraudulenta, o que supostamente explicaria os contratos da Fattoria Web com o CFA durante o mandato do ex-presidente.