Dennis Carvalho, sobre ficar entre a vida e a morte: “Uma segunda chance”
O diretor de 75 anos conta como a saída da Globo o abalou
Nos últimos meses, minha vida virou do avesso. Vinha de um período de trabalho intenso entre Rio, Minas Gerais e São Paulo, com a direção do musical Clube da Esquina, e ainda assimilava minha saída da TV Globo, depois de 47 anos de estrada. Em 26 de dezembro, após semanas de um forte cansaço que nunca passava, resolvi procurar um hospital. A última memória que eu tenho é de ter ido dirigindo até lá. A partir desse ponto, deu-se um apagão e não me recordo de mais nada. Acordei depois de um mês, no quarto daquele hospital, cercado por meus três filhos e minha ex-mulher e melhor amiga Deborah Evelyn. Custei a acreditar no que ouvia: tinha ficado em estado gravíssimo e permanecido dias seguidos no delicado equilíbrio entre a vida e a morte. Só estou aqui hoje porque, além de contar com a competência de bons médicos, acho que não era minha hora mesmo. Tenho plena consciência de que ganhei uma segunda chance.
No final, o que achava ser fadiga e estresse acumulados era uma pneumonia extensa, que levou a uma septicemia (infecção generalizada). Precisei ser intubado e ficar em coma induzido. Para piorar, soube que tive ainda uma embolia pulmonar. Foi barra-pesada, e não parou por aí. Após a primeira alta, passei por mais duas internações para controlar novos princípios de pneumonia e instalar um marca-passo, devido a uma arritmia cardíaca. Um quadro de saúde tão assustador faz a gente repensar tudo e dar mais valor à vida. Larguei completamente o cigarro, coisa que devia ter feito há pelo menos quinze anos, quando descobri um câncer nos pulmões e perdi parte de um deles. Mas continuei com a loucura. Em fases de grande tensão, como a estreia de novelas, fumava dois maços e meio por dia.
Esse furacão todo aconteceu numa época em que ainda estava sob o impacto da saída da Globo. Não chegou a ser surpresa. Toda hora a gente vê notícias de talentos sendo dispensados, e sabia que podia chegar em mim. A questão foi quem e como me comunicaram que eu não era mais útil. O Ricardo Waddington (então diretor dos Estúdios Globo), que foi meu assistente e aprendeu muito comigo, me chamou na sala e disse: “Nós não vamos renovar seu contrato, querido. Preferimos te chamar por obra certa, tá bom?”. O que me restava responder? “Tá bom”, falei, e saí. Acho essa nova política da casa precipitada e injusta. Eles deveriam encontrar um meio-termo, no lugar de perder tanta gente boa. Também não considero correto alguém passar três anos sem trabalhar, como acontecia com alguns contratados. Mas, no meu caso, sempre produzi — dirigi mais de quarenta programas, dos quais 28 novelas, entre as quais Dancin’ Days, Vale Tudo e O Dono do Mundo. Bate um vazio, claro. Sinto saudade das pessoas, do convívio nos estúdios. É inevitável guardar uma certa mágoa. Acho que merecia um pouco mais de respeito.
Diante de todo o turbilhão, não passa pela minha cabeça parar. Caso seja chamado pela emissora para dirigir uma obra, aceitarei se o projeto me interessar, não só porque é a Globo. Já estou negociando com um canal de streaming a série Classe Média, que deve ter Marcos Caruso e Vera Holtz no elenco, e vou voltar a ensaiar o musical Elis, no qual estreei na direção de teatro e que retorna aos palcos neste ano. Em paralelo, tenho que me dedicar com disciplina à minha recuperação. Depois de tão longo período internado, perdi massa muscular e, por enquanto, só consigo andar em casa. Tenho saído a bordo de uma cadeira motorizada e feito fisioterapia duas vezes por dia. Estou tentando manter uma alimentação mais saudável e, assim como o cigarro, cortei o álcool. Nunca gostei de ficar bêbado, mas tomava todos os dias para relaxar, antes de dormir, uma dose de vodca com Coca-Cola. Sempre gostei de me reinventar e tenho muito gás, muita lenha para queimar. Quero morrer trabalhando.
Dennis Carvalho em depoimento dado a Sofia Cerqueira
Publicado em VEJA de 24 de maio de 2023, edição nº 2842