Delfim Netto: o último de sua geração
“A democracia é o único mecanismo durável, porque não há poder que não se corrompa”, disse
Grande chefe da economia quando o Brasil passou pelo “milagre econômico”, período de 1968 a 1973 em que o país crescia mais de 10% ao ano, o então ministro da Fazenda, Antônio Delfim Netto, nunca gostou da expressão. “Milagre é um efeito sem causa, e o nosso crescimento tem causa”, dizia, numa das demonstrações diárias de seu humor elegante e irresistível. “Ele nunca estava irritado ou aflito; estava sempre de bom humor e não perdia uma piada”, conta o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, que integrou a equipe econômica do governo de João Figueiredo, nos anos de 1980, ao lado de Delfim.
Delfim Netto nasceu em 1º de maio de 1928 em São Paulo. Formou-se na terceira turma da faculdade de economia da Universidade de São Paulo, a FEA, em 1951, onde lecionaria por anos e se tornaria uma espécie de patrono da casa. Voraz leitor e colecionador de livros, doou para a faculdade, em 2014, todo o seu acervo de mais de 100 000 títulos. Foi o ministro da Fazenda mais longevo do regime militar, tendo comandado a pasta de 1967 a 1974, nos governos de Costa e Silva e de Emílio Médici. Era o fiador da máxima econômica que defende fazer o bolo crescer para depois distribuir, e foi um dos dezesseis ministros que assinaram o Ato Institucional nº 5, medida de 1968 que endureceu a ditadura militar. Esses são alguns dos traços que compõem a figura polêmica e paradoxal deste que foi um dos mais ativos, brilhantes e carismáticos economistas brasileiros. “É difícil colocá-lo em caixinhas”, diz o coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisa em História Econômica da FEA, Guilherme Grandi. “Delfim é o Delfim. Ele é uma linhagem própria, um camaleão político.”
Voltaria para o governo de Figueiredo, em 1979, como ministro da Agricultura e, depois, do Planejamento, cargo em que ficou até 1985 com a missão de manejar alguns dos problemas herdados da década anterior, caso da insustentável dívida externa e da crescente hiperinflação. O rastro de pobreza deixado por anos de desvalorização dos salários, além de uma desigualdade social que disparou, são outros “legados” do regime de que participou e que serão sempre cobrados por quem o critica. Questionado diversas vezes por seu apoio à ditadura, Delfim sempre respondeu não se arrepender, mas dizia que a apoiar, hoje, é ser “idiota”. “A democracia é o único mecanismo durável, porque não há poder que não se corrompa”, disse em uma entrevista em 2021 ao UOL. Faz parte da profícua geração de economistas que dominou os debates e a política econômica nos anos de 1960 e que inclui Roberto Campos (1917-2001), Celso Furtado (1920-2004) e Mário Henrique Simonsen (1935-1997). É o que mais viveu de todos eles, e o último a partir. Delfim morreu na madrugada de segunda-feira, 12, aos 96 anos, em São Paulo.
Publicado em VEJA de 16 de agosto de 2024, edição nº 2906