Datas: Bird Clemente, Jack Abraham e Edwin “Ed” Fancher
O primeiro piloto profissional, o ator e a voz da contracultura
Parece história da carochinha, mera fabulação, mas houve um tempo, no fim dos anos 50 do século passado, em que carros com motores 1.0, como os dos mais baratos de hoje, eram capazes de proporcionar emoção nas pistas. Para controlá-los, dada a instabilidade provocada pelos pneus finos, era preciso “ter braço”, como diz o dito popular. Coube ao paulistano Bird Clemente conduzir os veículos daquele tempo em competições e testes. Ele foi o primeiro profissional do automobilismo brasileiro, querido por seus pares e cobiçado pelas montadoras. Em meados dos anos 1960, como membro da equipe Willys, foi professor de alguns nomes que virariam estrelas internacionais no circuito de Fórmula 1, como Emerson Fittipaldi, o irmão Wilson Fittipaldi e José Carlos Pace. Quem o viu ao volante, nos primórdios, reconhecia a marca registrada, afeita a inspirar os pupilos: a forma com que fazia as curvas, atravessando o carro numa cinematográfica coreografia. A reputada revista inglesa AutoSport o elegeu como um dos cinquenta melhores pilotos do mundo que não chegaram à F1. Bird — batizado com esse nome como homenagem dos pais a um celebrado explorador dos polos — morreu em 1º de outubro, aos 85 anos, em São Paulo, de causas não reveladas pela família.
Um clássico imediato
A comédia de crime, o pastelão embebido de humor e violência, é uma subcategoria do cinema — e, invariavelmente, os filmes bem dirigidos ganham a aura de clássico imediato. É o caso de Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes, de 1998, do britânico Guy Ritchie. É comum, nessas produções, que personagens secundários ganhem vida própria, como aconteceu com Dean, o ladrão atrapalhado vivido por Jack Abraham, de sólida formação em teatro, de Liverpool. Abraham morreu em 2 de outubro, de câncer na próstata. Tinha 56 anos.
A voz da metrópole
A efervescência cultural de Nova York seria outra, ou talvez nem existisse, sem o jornal The Village Voice — a mais ruidosa voz da contracultura, lançado em 1955 por um trio de amigos, Edwin “Ed” Fancher, Dan Wolf (1915-1996) e Norman Mailer (1923-2007). A publicação semanal foi pioneira nas questões de comportamento, especialmente em torno do aborto e dos direitos dos gays. Tinha algumas das mais influentes críticas de música, do jazz ao rock, e de cinema. Grandes nomes da literatura americana andaram por suas manchetes e colunas. Mailer, ao criá-lo, disse que o imaginava “ultrajante” e que “desse alguma velocidade a essa revolução moral e sexual que ainda está por vir”. O The Village Voice foi fundamental nessa dupla revolução. “Éramos loucos o suficiente para pensar que faria sucesso”, ecoou Fancher. “Foi maluco, mas, como veteranos da II Guerra que sobreviveram, tinha tudo a ver com nosso otimismo.” A edição impressa do semanário foi extinta — o derradeiro número tinha uma foto de Bob Dylan na capa. O Village ainda existe na versão on-line, agora como pastiche do que foi um dia. Fancher morreu em 28 de setembro, em Nova York, aos 100 anos.
Publicado em VEJA de 6 de outubro de 2023, edição nº 2862