Datas: Alberto da Costa e Silva, Daniel Redondo e Lanny Gordin
O intelectual, o chef e o guitarrista

Poucos intelectuais foram tão relevantes e decisivos no estudo das relações entre o Brasil e os países da África quanto Alberto da Costa e Silva. “O africano não deu contribuições para o Brasil, o africano ajudou a formar o Brasil”, disse em uma entrevista. “Não são apenas contribuições, não deixou aqui lembranças, ele realmente ajudou a criar o país.” Seus livros de história — de prosa deliciosa, bom humor e refinamento — são pequenos clássicos. Destacam-se A Enxada e a Lança (1992), A Manilha e o Libambo (2002), Um Rio Chamado Atlântico (2003) e Francisco Félix de Souza, Mercador de Escravos (2004). Membro da Academia Brasileira de Letras desde o ano 2000, em 2014 foi agraciado com o Prêmio Camões, criado pelos governos de Portugal e Brasil como homenagem aos mais de 260 milhões de pessoas que se comunicam com a flor do Lácio.
Costa e Silva teve também rica carreira como diplomata, ao servir como embaixador na Nigéria e no Benin, no fim dos anos 1970. Modesto, atravessou a vida condenando o absurdo da escravidão e seus efeitos daninhos até os dias de hoje, com o atávico racismo. “Eu não quero ser lembrado como nada”, disse. “Talvez que houve o filho de um poeta piauiense que também escreveu. E que está cansado de esperar por um Brasil que não chega.” Ele morreu em 26 de novembro, aos 92 anos.
O chef criativo

O restaurante El Celler de Can Roca, em Girona, na Catalunha, é um acontecimento — muito mais do que um espaço para comer e beber do bom e do melhor. Fundado em 1986, dono de três estrelas do prestigiado Guia Michelin, tem uma das cozinhas mais inovadoras do mundo. A partir de ingredientes regionais, aos quais se aplica a chamada “gastronomia molecular”, em invenções ancoradas em processos químicos e físicos, tudo o que vai ao prato é reinventado — e delicioso. Foi ali que o chef espanhol Daniel Redondo aprendeu a lidar com o forno e o fogão. Em 2006 ele fundaria com a então mulher, Helena Rizzo, o Maní, em São Paulo, um dos melhores endereços do Brasil. Inteligente, rápido e inovador, Redondo ajudou a enriquecer o cardápio com criações como a bochecha de porco com molho de beterraba e uma sobremesa complexa de sorvete de carvão. “Sem ele o Maní não seria o que é hoje”, escreveu Helena em suas redes sociais. “Talentoso, trabalhador, criativo.” Redondo morreu em 24 de novembro, aos 46 anos, depois de um acidente de moto.
Guitarra incomparável

Faça uma experiência: tente tirar a guitarra dos acordes iniciais de Irene, a linda canção de Caetano Veloso do chamado álbum branco do compositor baiano, de 1969, ou então sacá-la de Atrás do Trio Elétrico. Tire-a de Back in Bahia, de Gilberto Gil. Subtraia-a de Hotel das Estrelas, na voz de Gal. Todos esses clássicos da MPB perderiam a graça sem a genialidade do guitarrista Lanny Gordin. Nascido na China de pai russo e mãe polonesa, ele veio para o Brasil aos 6 anos de idade. Mal saído da adolescência, craque nas cordas, a um só tempo melodioso e enérgico, passou a ser convidado para os estúdios de gravações de todas as futuras estrelas. Gordin morreu em 28 de novembro, aos 72 anos, na madrugada do dia em que comemoraria seu aniversário.
Publicado em VEJA de 1º de dezembro de 2023, edição nº 2870