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Como é a vida no Península, o condomínio dos poderosos

Com tamanho de bairro, ele concentra uma penca de políticos e registra um intenso entra e sai de viaturas policiais

Por Sofia Cerqueira Atualizado em 4 jun 2024, 14h13 - Publicado em 27 nov 2020, 06h00

Nos últimos meses, os moradores de um condomínio de alto padrão na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro, vêm tendo sua rotina chacoalhada por ocorrências policiais. “Nem precisamos de despertador. Às 6 da manhã todo mundo está de pé”, brinca um morador, referindo-se ao horário-padrão da chegada das ruidosas viaturas. No Península mora, além de artistas e milionários, boa parte dos políticos mais poderosos do Rio, a começar pelo governador interino Cláudio Castro, o vice que assumiu quando Wilson Witzel foi afastado por suspeita de corrupção, e o prefeito Marcelo Crivella, que andou sumido da vizinhança durante o embate eleitoral. Ambos, aliás, alvos de batidas policias — Castro teve o apartamento vasculhado por agentes federais à procura de provas de sua participação nos desvios no Palácio Guanabara e Crivella recebeu a visita de policiais civis e promotores que investigam um esquema de propina na prefeitura.

Só neste ano, a tranquilidade dos 15 000 moradores do Península foi quebrada por cerca de dez operações para cumprir mandados de prisão e de busca e apreensão. No mesmo dia da ação no prédio de Crivella, onde os apartamentos têm até 250 metros quadrados, a Operação Hades (ou, para os íntimos, “Q.G. da Propina”) também mirou dois vizinhos dele, o empresário Rafael Alves, irmão do ex-presidente da Riotur Marcelo Alves, e o ex-senador Eduardo Lopes. Às margens de uma lagoa, o Península é uma espécie de bairro: em uma área do tamanho do Leblon, esparramam-se 57 prédios de apartamentos a preços que vão de 800 000 a 12 milhões de reais, quadras de tênis, playgrounds, capela e um pequeno shopping, o Península Mall. Poucas pessoas circulam nas ruas, mas há carros por todo lado — quase um por habitante. “Não precisamos de salão de automóvel, todas as novidades estão aqui”, diz outro condômino. Logo na entrada avista-se uma ala de esculturas gregas em mármore de Carrara, parte das 127 obras de arte que enfeitam paredes e jardins, algumas de artistas renomados, como Ascânio MMM, Franz Weissmann e Caciporé Torres.

Lançado em 2000, o condomínio rapidamente se tornou símbolo das duas imagens que o tempo colou na Barra da Tijuca — a de imitação de Miami, adotada por famílias que enriqueceram no subúrbio e não quiseram se instalar entre os cariocas de nariz empinado da Zona Sul, e a de reduto de celebridades, pela proximidade com o Projac. Lá já foi endereço de Anitta e moram atualmente Fernanda Paes Leme, Murilo Rosa e o casal Kleber Toledo e Camila Queiroz. No quesito pessoas conhecidas, no entanto, o grupo que mais se destaca é o dos ocupantes de cargos no Legislativo e no Executivo. “Isso faz do Península um recanto com cara de plenário”, define o condômino Vinícius Cordeiro, vice-­presidente nacional do Avante. Corrupto do primeiro pelotão da Lava-Jato, o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e família chegaram a contabilizar ali sete propriedades.

Coordenador da campanha de Crivella, o ex-deputado federal Rodrigo Bethlem, que em 2017 recebeu a visita da PF por suspeita de integrar um esquema de propina, volta e meia é visto no café do shopping, em tête-à-tête com correligionários. Crivella, o próprio, tem circulado pouco pelas ruas do local onde costumava caminhar e postar lives ao ar livre. “Talvez ele saiba que tem muita gente insatisfeita com sua gestão”, opina um vizinho que faz parte do grupo Reais Amigos da Península, muito ativo nas redes sociais. Ninguém chegou a promover entre os peninsulanos uma pesquisa eleitoral, mas o que mais se vê naquelas bandas são adesivos e bandeiras do rival do alcaide, Eduardo Paes (DEM).

O ex-secretário estadual de Educação Pedro Fernandes foi alvo de uma batida policial no condomínio, nesse caso com o objetivo de prendê-lo. Rapidamente, ele mostrou um teste positivo para Covid-19 e foi posto em prisão domiciliar. Detalhe: as lentes implacáveis de um celular o haviam flagrado um dia antes comprando um açaí no centro comercial do Península. Também manifestações dão dor de cabeça aos condôminos. A entrada principal já foi palco de pelo menos três protestos, dois anti-Crivella e um contra o vizinho e ex-deputado federal Leonardo Picciani. Os moradores, com razão, temem a desvalorização de seus imóveis.

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Ter tantos nomes citados em operações policiais causa desconforto nesse pedaço da Barra — como já ocorreu noutros pontos do Rio com alta densidade de figurões enrolados, como o Jardim Pernambuco, no Leblon, e o condomínio Portobello, em Mangaratiba, na paradisíaca Costa Verde fluminense, onde uma dezena de políticos orbitava em torno do ex-governador Sérgio Cabral, hoje preso. “Operação policial acontece no Rio todo. Aqui não tem só bandido, tem muita gente boa e séria”, defende a empresária Cláudia Sabba, uma das primeiras moradoras. No que, aliás, tem razão: se existe um monte de gente da política sendo abordada pela polícia no Península, o problema, certamente, não está no Península, e sim no mar de irregularidades ao redor.

Publicado em VEJA de 2 de dezembro de 2020, edição nº 2715

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