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Carta ao Leitor: Sinal verde para a festa

Trata-se de viver o Carnaval como interregno necessário da dura vida de um país em construção, desigual, e que ainda chora as 700 mil mortes pela pandemia

Por Redação Atualizado em 4 jun 2024, 10h39 - Publicado em 17 fev 2023, 06h00

Em março de 1919, os hospitais de campanha ainda tingiam a capital federal, o Rio de Janeiro, de toldos brancos improvisados. Pouco antes da virada do ano anterior, faltavam coveiros para enterrar os mortos em cemitérios superlotados de corpos. Os médicos da Santa Casa de Misericórdia adoeciam, e coube aos religiosos ocupar o lugar dos profissionais de saúde. Mais de 600 000 pessoas tinham contraído o vírus e pelo menos 15 000 perderam a vida. E, então, em movimento que a história da ciência ainda não soube explicar, deu-se o fenômeno da imunidade coletiva, com a acelerada queda do número de casos e mortes em decorrência de uma versão do Influenza. Era o fim da gripe espanhola, que desembarcara no Brasil a bordo do navio Demerara, vindo de Lisboa, com escalas em Dakar, Recife e Salvador, até atracar no Rio.

Calhou de o fim daquela pandemia coincidir com a véspera do Carnaval, em março — e a resposta da população ao tempo de horror e drama, a resposta ao luto, foi sair às ruas como nunca antes. “Seja bem-vindo, Deus Momo”, estampou o Correio da Manhã. “O Carnaval é a grande força que liberta o carioca da tristeza que passa o resto do ano.” Fenômeno semelhante de desafogo é o que se verá nas ruas em muitos pontos do Brasil no Carnaval de 2023, que parte do país de 1919 para chegar aos dias de hoje, numa trilha que revela a função catártica da folia como manifesto de um povo cansado de tanto esperar. No ano passado, com a crise sanitária de Covid-19 razoavelmente controlada, houve a ômicron, a variante que se disseminava com rapidez. Agora parece haver controle, com a pandemia próximo do fim, apesar de a Organização Mundial da Saúde manter e recomendar cautela. No domingo 12, pela primeira vez desde a eclosão do surto, em 2020, não houve registro de mortes em um único dia no Brasil — ainda que a média móvel de óbitos dos sete dias anteriores tenha sido de 45. Mas, sim, o desfecho está próximo — o que não exclui vacinação anual e, eventualmente, cuidados como o uso de máscara em transporte público. O alívio pode ser traduzido por estatística, visível no asfalto e nos clubes. No Brasil inteiro, estimam-se 5 000 blocos pelas ruas — em patamar semelhante ao de 2020, o último Carnaval antes da quarentena. Calcula-se que 46 milhões de pessoas saiam às ruas, contra 36 milhões há três anos. A movimentação financeira chegará a 8,2 bilhões de reais — no ano passado foi de 6,4 bilhões de reais.

Vale atrelar os próximos quatro dias, para tudo terminar na Quarta-Feira de Cinzas, como sempre, a uma frase do poeta Carlos Drummond de Andrade: “Ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade”. Trata-se de viver o Carnaval como interregno necessário da dura vida de um país em construção, desigual, e que ainda chora as 700 000 mortes pela pandemia. A festa não é esquecimento — ao contrário, é combustível para seguir em frente.

Publicado em VEJA de 22 de fevereiro de 2023, edição nº 2829

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