Carta ao Leitor: A história em exposição
Mostra 'Espelhos do Brasil' reúne algumas das melhores e mais marcantes capas da história da imprensa nacional. VEJA ocupa lugar de destaque

Prêmio Nobel de Literatura, o colombiano Gabriel García Márquez (1927-2014) conciliou ao longo de sua vida o ofício de jornalista com o de escritor de ficção. Gabo, como era conhecido, tinha um carinho especial por seu trabalho na imprensa e cunhou uma das frases definitivas sobre a importância de uma boa capa para uma publicação. Segundo ele, “a boa capa conta uma história com o silêncio da imagem e o ruído da manchete”. Autor polonês mais traduzido no mundo, Ryszard Kapus´ cin´ ski (1932-2007) defendia que “fazer uma capa é editar o mundo em um só frame”. Para o americano Tom Wolfe (1930-2018), um dos papas do chamado New Journalism, no qual os textos combinam técnicas jornalísticas com o estilo literário, a capa é uma ficção real. “Precisa ser verdadeira e, ao mesmo tempo, irresistível.”
O poder dessas imagens pode ser conferido na mostra Espelhos do Brasil, que será realizada nos próximos dias 12 e 13 na DAN Galeria, em São Paulo. Estarão reunidas ali algumas das melhores e mais marcantes capas da história da imprensa nacional. Parte do calendário de comemorações dos 75 anos do Grupo Abril, o evento exibirá 75 capas dos principais títulos da editora da empresa. VEJA ocupa um lugar de destaque, com quinze exemplares. O ponto de partida é a reprodução do número 1 da revista, que circulou em setembro de 1968 e destacava a reportagem sobre a crise na União Soviética após a invasão na antiga Tchecoslováquia.
Várias capas de VEJA tiveram grande impacto na vida nacional e, não raro, incomodaram os poderosos de plantão. Durante a ditadura militar, época em que a Editora Abril não abriu mão de combater e denunciar as atrocidades do período, milhares de exemplares da revista com a capa sobre a decretação do AI-5 acabaram sendo apreendidos pelos militares. A imagem que contrariou o governo era o retrato perfeito da arbitrariedade, trazendo apenas a foto do então presidente, Arthur da Costa e Silva, sentado sozinho no Congresso, que acabara de ser fechado pelo regime. Nas décadas seguintes, outras capas alcançaram grande repercussão, como a das denúncias de corrupção feitas contra o governo da época por Pedro Collor. Elas deram origem a uma sequência de reportagens exclusivas e abriram as portas para o processo de impeachment que culminou na renúncia do irmão dele, Fernando Collor de Mello. Mais recentemente, ganhou destaque o conjunto de revelações mostrando como Sergio Moro, no papel de juiz na 13ª Vara Federal de Curitiba, não havia agido com a devida imparcialidade nos julgamentos da Lava-Jato. Ao longo do tempo, houve ainda muito espaço para pôr sob a luz dos holofotes temas diversos, como a investigação sobre o acidente fatal de Ayrton Senna e o legado deixado por ídolos como Frank Sinatra. “É fascinante perceber como VEJA, ao longo de sua trajetória, traduziu os humores políticos, econômicos, culturais e comportamentais do país”, conta o redator-chefe Fábio Altman, que trabalhou na curadoria da mostra. De fato, o conjunto formado por essas capas vale como uma autêntica exposição da história.
Publicado em VEJA de 8 de agosto de 2025, edição nº 2956