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Cariocas barraram o clã Brazão e deram novo mandato à viúva de Marielle

Os irmãos Brazão aguardam a data em que passarão pelo escrutínio da Justiça. No das urnas, já se deram mal

Por Lucas Mathias Atualizado em 11 out 2024, 11h12 - Publicado em 11 out 2024, 06h00

Durante as últimas duas décadas, não importava o quão chacoalhado estivesse o cenário político, uma certeza pairava sobre os pleitos para vereador no Rio de Janeiro: na lista dos eleitos, haveria pelo menos um integrante da família Brazão. A tradição, por assim dizer, tem suas raízes em 1996, com a estreia de Domingos Brazão, e seguiu com o irmão mais velho, Chiquinho Brazão. Em 2020, um amigo chegadíssimo do clã, Waldir Moreira Junior, resolveu se lançar candidato, com sucesso, tendo como alcunha Waldir Brazão, tudo com a anuência dos donos do sobrenome que, pronunciado em certas bandas da Zona Oeste carioca, ainda inspira medo e respeito.

A situação, porém, mudou depois que Domingos, que ocupava a cadeira de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, e Chiquinho, deputado federal pelo União Brasil, foram presos como mandantes do assassinato de Marielle Franco, a vereadora que denunciava as malfeitorias que a acusação agora lhes imputa — abuso de poder econômico, grilagem de terras e ligações com a milícia. Resultado: o Brazão da vez — Kaio, enteado de Domingos, de 23 anos — e Waldir, que tentava a reeleição, foram fragorosamente derrotados, esquecidos pela mesma população que brindou com novo mandato Monica Benicio (PSOL), a viúva de Marielle.

BARRADOS NO BAILE - Kaio com Chiquinho (ao seu lado, de boné branco) e Waldir: derrotados
BARRADOS NO BAILE - Kaio com Chiquinho (ao seu lado, de boné branco) e Waldir: derrotados (@depchiquinhobrazao/instagram; @vereadorwaldirbrazao/Instagram)

Ao saber que seu nome estava entre os ungidos à Câmara de Vereadores, Monica, arquiteta de formação que viveu catorze anos ao lado de Marielle, disse a VEJA: “Quero manter sua memória viva e seguir enfrentando as milícias, esse marco de poder que há tanto tempo governa o Rio”. Depois de receber a notícia da bárbara morte da companheira, em 2018, a “dor dilacerante” acabou servindo de combustível para a ideia de, também ela, ingressar na política. O primeiro mandato, concentrado na defesa dos direitos das mulheres, veio em 2020, e Monica jamais fugiu do combate aos Brazão. Em maio deste ano, os dois já estavam encarcerados quando ela subiu à tribuna para pedir que as medalhas Pedro Ernesto, a maior honraria da Casa, fossem retiradas dos irmãos. Conseguiu. “Enfrentei sem medo esses grupos mafiosos. Agora, os cariocas deram essa a resposta nas urnas, dizendo um basta aos Brazão”, disse a parlamentar que, meses atrás, protagonizou um bate-­boca com Waldir Brazão, criticando a nomeação de Chiquinho a secretário municipal de Ação Comunitária na gestão Eduardo Paes.

Um dos clãs mais longevos no poder fluminense, os Brazão vinham acumulando até agora vastas votações na região dominada por milícias da Zona Oeste. Além dos integrantes da família agora presos, um terceiro irmão, Manoel Inácio Brazão, continua na cadeira de deputado estadual, também pelo União Brasil. Nas últimas semanas, não foram poucos os esforços para eleger Kaio, cultivado para ser uma espécie de sucessor na área onde a família é conhecida por praticar o velho assistencialismo em troca de votos e usurpar terras alheias à base da grilagem, segundo relatórios do Tribunal Regional Eleitoral do Rio e da Polícia Federal. Filiado ao Republicanos, ele teve a campanha embalada por verbas na casa dos 800 000 reais e percorreu o Rio junto ao ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, há anos aliado dos Brazão e um dos fiadores do jovem formado em gestão pública, que teve cargo no gabinete de Waldir.

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MEMÓRIA HONRADA - Marielle: demorou, mas as respostas para o assassinato enfim apareceram
MEMÓRIA HONRADA - Marielle: demorou, mas as respostas para o assassinato enfim apareceram (@marielle_franco/Instagram)

A movimentação dos Brazão logo chamou a atenção da Justiça Eleitoral fluminense, que, inicialmente, indeferiu a candidatura de Kaio, alegando “desvio de finalidade pública” pela relação “simbiótica e estrutural” com Domingos, tido como o cabeça do império que construíram à revelia da lei, como aparece no próprio parecer que tentava defenestrá-lo antes da largada. A juíza que tentou tirar Kaio do páreo, Maria Paula Gouvêa Galhardo, ainda anexou ao processo uma denúncia, sob investigação, de que o clã estaria à frente de uma clínica em Jacarepaguá onde os salários dos funcionários seriam pagos com dinheiro egresso do caixa da milícia local — acusações prontamente negadas pelos membros da família. Ao recorrer da decisão de tirá-lo da disputa, Kaio levou a melhor e se manteve no jogo. Mas as urnas foram implacáveis: ele obteve 10 000 votos, amargando a 83ª posição entre 51 vagas, versus os 25 300 que elegeram Monica Benicio.

Em sua campanha, a vereadora recebeu maciço apoio de artistas, entre eles o de Roger Waters, ex-Pink Floyd, que postou um vídeo em que lhe pedia: “Lute contra as milícias. Nunca devemos esquecer nossa irmã, Marielle Franco. Nunca!”. Depois de seis anos sem respostas cruciais, foi só neste janeiro que os mandantes do crime, que enredou também o ex-chefe de Polícia Civil do Rio Rivaldo Barbosa, outro preso, vieram à luz, dando algum sossego a Monica. O julgamento dos ex-policiais militares Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, acusados de executar a parlamentar, está marcado para 30 de outubro. Os irmãos Brazão — Chiquinho na penitenciária federal de Campo Grande e Domingos na de Porto Velho — aguardam a data em que passarão pelo escrutínio da Justiça. No das urnas, já se deram mal.

Publicado em VEJA de 11 de outubro de 2024, edição nº 2914

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