Campanha contra Coronavac tem fake news, teoria conspiratória e xenofobia
Mensagens difundem que a vacina chinesa usa feto abortado ou transforma o paciente em homossexual; Butantan esclarece especulação sobre a data de fabricação
A maciça campanha de desinformação contra o desenvolvimento da vacina Coronavac obrigou o Butantan, de São Paulo, a se pronunciar na tarde desta terça-feira, 3, para esclarecer postagens infundadas e que atacam o imunizante contra a Covid-19, que está sendo produzido em parceria entre o instituto e farmacêutica chinesa Sinovac. Desta vez, perfis do Twitter estão disseminando imagens da embalagem do produto com a data de fabricação referente a abril deste ano. A teoria da conspiração e de cunho xenófobo afirma que a China, país de origem dos insumos usados na produção da vacina e primeiro epicentro da pandemia, criou o novo coronavírus para depois lucrar com a comercialização do imunizante. Além de mentirosa, a história deturpa informações reais para causar confusão entre os usuários das redes sociais.
O Butantan esclareceu que a Coronavac já se encontrava em fase de testagem em voluntários chineses no primeiro semestre deste ano. Os primeiros casos da Covid-19 foram diagnosticados na cidade de Wuhan, na China, em dezembro do ano passado e, conforme as determinações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), as informações sobre a fabricação do imunizante tiveram de ser incluídas nas embalagens que foram traduzidas para o português em julho, quando o remédio entrou na terceira fase de testes no Brasil, a última etapa antes da aprovação. Por esse motivo, algumas fotos da Coronavac apresentam datas de fabricação que remetem aos primeiros meses da chegada da pandemia no Brasil.
A gente vem recebendo questionamentos sobre o rótulo da vacina Coronavac por ele conter data de fabricação, lote e prazo de validade no idioma português.
— Instituto Butantan (@butantanoficial) November 3, 2020
“É importante deixar claro também que, apenas após o registro da Anvisa, é que a Coronavac poderá ser disponibilizada para aplicação na população. Enquanto isso, os estudos clínicos seguem em andamento com voluntários aqui no Brasil”, reforçou o Butantan em seu pronunciamento.
Combater as desinformações têm sido uma tarefa árdua. Um estudo divulgado nesta semana pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV/DAPP), especializada no monitoramento da internet, mostra que a discussão sobre a vacina rendeu 2 milhões de postagens no Twitter entre os dias 1º e 27 de outubro. Perfis contra a Coronavac também foram capazes de conseguir 15 milhões de visualizações para vídeos no YouTube que fazem campanha para desqualificar o imunizante. No domingo, 1º, centenas de manifestantes se reuniram na Avenida Paulista, em São Paulo, num ato antivacina e contrário ao governador paulista João Doria (PSDB), que pretende realizar uma campanha obrigatória de vacinação no estado.
Entre as teorias mais estapafúrdias divulgadas nas redes sociais e nos aplicativos de mensagens contra a vacina estão a de que que ela é feita com fetos abortados ou que ela altera o código genético dos pacientes e os transforma em homossexuais. Há mensagens com esse conteúdo circulando tanto no WhatsApp quanto no Facebook. Um desses áudios apontando a suposta interferência genética nos pacientes foi atribuído pela agência de checagem de notícias Aos Fatos a um candidato a prefeito de São Simão (SP), Marcelo Frazão de Almeida (Patriota), engenheiro e responsável pelo canal Direita TV News. Segundo a agência, ele confirmou que o áudio era dele, mas não se pronunciou sobre as teorias que propaga, que são comprovadamente falsas, já que a Coronavac não utiliza nenhuma alteração de gene humano — ela se vale do uso do vírus inativo, técnica semelhante à adotada por outras vacinas, como as contra a poliomelite e a gripe.
Militantes de direita e simpatizantes de Jair Bolsonaro são os principais difusores de desinformação sobre a Coronavac. O presidente é o principal antagonista de Doria desde o início da pandemia, colocando em dúvida a eficácia do imunizante e os interesses do governo chinês no processo de desenvolvimento do remédio. Esse discurso xenófobo — que entre outras, difunde a teoria de que o vírus foi criado pelo país asiático como parte de um “plano de dominação mundial” — pauta as publicações de políticos bolsonaristas e candidatos que tentam colar suas imagens ao presidente para se elegerem no pleito municipal deste mês.
Doria, inclusive, é o alvo de uma das campanhas de fake news mais compartilhadas no Twitter. Desde agosto circulam publicações na rede social que dizem que o governador contraiu a Covid-19 depois de ter sido vacinado com a Coronavac. Em resumo, os posts afirmam que, enquanto Bolsonaro tomou a cloroquina — medicamento sem eficácia comprovada contra a doença — e se curou, o governador de São Paulo tomou a vacina e, mesmo asssim, foi infectado. Doria, de fato, foi diagnosticado com o novo coronavírus naquele mês, mas em nenhum momento foi vacinado com o imunizante, que está em fase de testes. As fotos que acompanham essas postagens, em que o tucano recebe uma injeção no Palácio dos Bandeirantes, diz respeito ao dia 23 de março, quando ele promovia a campanha de vacinação contra a gripe.
Segundo mapeamento feito pela FGV/DAPP, além de fake news, teorias da conspiração e pregações xenófobas, a mobilização contrária à Coronavac também reúne nas redes sociais usuários que postam mensagens ou vídeos que usam argumentos considerados pelos pesquisadores como não legítimos para criticar a vacinação obrigatória como política pública, além de publicações inteiramente contrárias a vacinas em geral, que citam supostos casos isolados como justificativa.
Por ora, nenhum imunizante recebeu a certificação da Anvisa para ser aplicado na população. Todos estão em fase de testes para que sejam avaliados os efeitos provocados no organismo humano e a sua eficácia contra a Covid-19. Na segunda-feira, 2, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) informou que outra vacina, desenvolvida pela Universidade de Oxford e pela farmacêutica AstraZeneca, poderá ficar à disposição dos brasileiros no primeiro trimestre de 2021. Um acordo assinado com os desenvolvedores garantirá 100 milhões de doses do imunizante ao país no primeiro semestre o ano que vem, segundo a Fiocruz. A expectativa é a de que a produção se inicie entre janeiro e fevereiro.