Clique e Assine VEJA por R$ 9,90/mês
Continua após publicidade

Bolsonaro retoma a teoria da conspiração sobre a confiabilidade das urnas

Às vésperas da disputa municipal, o presidente e sua base de apoio voltam a dizer que o método eletrônico não é confiável

Por Juliana Castro Atualizado em 4 jun 2024, 14h29 - Publicado em 13 nov 2020, 06h00

Embalado pelo discurso de seu ídolo político, Donald Trump, que aponta, sem provas, a existência de fraudes nas eleições americanas, da qual saiu derrotado, Jair Bolsonaro voltou a pôr em xeque o sistema eleitoral brasileiro e a agitar uma desbotada bandeira: a defesa do voto impresso. O disparate ganhou eco após o ataque hacker ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ele paralisou os trabalhos na Corte e serviu como argumento para a militância bolsonarista vociferar contra a urna eletrônica, que, dizem, também poderia ter a sua segurança violada. O presidente falou sobre a antiga proposta duas vezes em menos de uma semana — e às vésperas do pleito municipal. Em um evento na terça-feira 10, afirmou que a votação “é passível de fraude, sim”. Como de costume, não apresentou nenhuma evidência. Antes, em uma live no dia 5, disse que trabalhará para que o Congresso aprove um “sistema eleitoral confiável em 2022” e anunciou apoio a uma Proposta de Emenda à Constituição da deputada Bia Kicis (PSL-DF), outra política que não tem muito compromisso com a verdade dos fatos, tanto assim que é investigada no inquérito das fake news do STF. A tal PEC prevê que uma cédula física seja expedida, conferida pelo eleitor e depositada em urnas indevassáveis “para fins de auditoria”.

Como toda boa teoria conspiratória, a da fragilidade das urnas eletrônicas ganhou terreno apoiada em meias-verdades ou lorotas absolutas. Um dos argumentos mais pueris diz que, se o sistema fosse assim tão bom, não seria adotado apenas no Brasil. Na verdade, ao todo, 23 países usam tecnologia parecida nas eleições gerais e outros dezoito, entre eles Canadá, Índia e França, a utilizam em pleitos regionais. Desde que foi implementado por aqui, em 1996, nunca houve um caso concreto de fraude. A despeito do que o presidente e seus seguidores radicais pregam, o sistema brasileiro permite mais de dez formas de auditoria — inclusive uma planilha com cada um dos números de candidatos digitados pelo eleitor em cada um dos equipamentos. A ordem é aleatória, para não identificar o voto de ninguém. Tudo fica devidamente disponível aos partidos, para a realização de uma conferência própria, se desejarem.

Ainda assim, na tramitação da minirreforma eleitoral de 2015, a obrigação de imprimir o voto foi incluída por uma emenda do próprio Bolsonaro, então deputado. Mas, em setembro deste ano, o STF decidiu que a versão impressa violava a garantia constitucional do segredo do voto. Um dia após Bolsonaro recorrer a esse terraplanismo político, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Luís Roberto Barroso, não só lembrou dos altos custos para implantar a medida (2,5 bilhões de reais), como qualificou a ideia de “retrocesso”.

Continua após a publicidade

A urna eletrônica é projetada para ser um dispositivo isolado, sem conexão com a internet, Bluetooth ou qualquer tipo de rede, inibindo ataques externos. Além disso, existem trinta camadas de segurança que protegem os sistemas de tentativas de invasão. Ainda assim o TSE realiza testes públicos de segurança, em que grupos tentam violar a urna — já foram mais de cinquenta ataques e quase nenhuma vulnerabilidade detectada. Nas raríssimas vezes em que isso ocorre, o tribunal faz a correção e convida o hacker a tentar engambelar o mecanismo novamente. “As críticas são afastadas da realidade”, afirma o secretário de Tecnologia da Informação do TSE, Giuseppe Janino.

IDEIA RUIM - Bia Kicis: o projeto dela prevê reimplantar a cédula impressa no país – (Maryanna Oliveira/Câmara dos Deputados)

Há quem aponte a existência de outros motivos por trás da insistência do presidente no assunto — e qualquer semelhança com Trump não é coincidência. “Ele se prepara para a possibilidade de não ganhar as eleições em 2022, tumultuando a vitória de quem quer que seja”, acredita o cientista político Eurico Figueiredo, da Universidade Federal Fluminense (UFF). Sem nenhuma prova, Bolsonaro já havia lançado dúvidas sobre a lisura da eleição de 2018. Dizia ter tido votos suficientes para ganhar em primeiro turno. Passaram-se dois anos desde a sua vitória, sem que o presidente tenha levado às autoridades qualquer elemento de que a votação fora fraudulenta.

Continua após a publicidade

Existe também a suspeita de que seja apenas a velha tática diversionista de criar polêmicas aleatórias sempre que se vê às voltas com problemas reais envolvendo o governo (na economia, na saúde, no meio ambiente ou na política externa) ou a sua família — o filho Flávio Bolsonaro acabou de ser denunciado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro no caso da “rachadinha”. “Bolsonaro procura agradar a seus setores mais próximos, ao mesmo tempo que desvia a discussão do que está acontecendo no país, sobretudo da crise econômica, do desemprego e da Covid-19”, afirma o cientista político Paulo Baía, professor da UFRJ.

Mesmo sem evidência alguma de fraude, no entanto, Bolsonaro mobiliza a sua militância. No Facebook, as interações em postagens com a expressão “voto impresso” eram inexpressivas em outubro. Foi só o presidente levantar a questão para, nos dias 5 e 6, haver mais de 570 000 interações sobre o assunto em páginas, grupos públicos, robôs e perfis verificados. Um dos fomentadores da onda é o filho do presidente Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ). Em 2018, ele disse que o TSE entregou códigos de segurança dos equipamentos à Venezuela e negou acesso a auditores brasileiros. Foi desmentido pelo tribunal e até por Hamilton Mourão, à época vice na chapa de Bolsonaro. Apesar da cortina de fumaça criada pelo presidente, ao que tudo indica, como sempre, a urna eletrônica passará em mais um teste no domingo 15, quando 148 milhões de eleitores estarão aptos a votar. Restará a Bolsonaro se conformar com os resultados, sejam eles quais forem.

Publicado em VEJA de 18 de novembro de 2020, edição nº 2713

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 9,90/mês*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 49,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.