A estrategia de Bolsonaro para consolidar o apoio das forças de segurança
O presidente não economiza recursos nem tempo de sua agenda para transformar Forças Armadas e polícias em armas poderosas de seu projeto político
É notória a militarização da cúpula do governo. No Palácio do Planalto, generais reformados comandam a Casa Civil, o Gabinete de Segurança Institucional e a Secretaria de Governo. Mas Jair Bolsonaro não afaga apenas os oficiais. Seu projeto é bem mais ambicioso. Desde que tomou posse, ele tenta conquistar em nível nacional o apoio das bases das Forças Armadas e das polícias militar, civil e federal, com o objetivo de transformá-las em armas poderosas de seu projeto político. Essa estratégia do presidente preocupa os seus adversários, que temem que ele use soldados e agentes oficiais de segurança para intimidar as instituições, do Congresso à Justiça Eleitoral. Tal receio não é à toa. Contrariados com decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), alguns integrantes do governo já ameaçaram a Corte. Recentemente, ao comentar a invasão do Capitólio por apoiadores do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, a quem costuma imitar com inegável admiração, Bolsonaro irresponsavelmente declarou: “Se não tivermos o voto impresso em 2022, uma maneira de auditar o voto, nós vamos ter problemas piores do que os Estados Unidos”.
Até aqui, as ameaças não se transformaram em ações concretas. Mas não deixa de ser preocupante o presidente continuar a ofensiva para sedimentar uma aliança com as forças de segurança em todo o país. Em 2019, em seu primeiro ano de mandato, ele participou de 46 solenidades que trataram de pautas militares, média de quase quatro por mês. Só em dezembro passado, ele compareceu a sete cerimônias com militares e policiais, quase uma a cada quatro dias. A deferência a esses segmentos é só uma das apostas para tentar cooptá-los. Há outra mais poderosa: a caneta presidencial. Ao fixar os gastos do Orçamento da União de 2021, o presidente privilegiou os recursos destinados às Forças Armadas, que ficaram em 110,7 bilhões de reais, ante 105,6 bilhões em 2020. Já o orçamento da Saúde, pasta que enfrenta a maior crise sanitária em um século, perdeu 2,2 bilhões de reais de um ano para o outro. Apesar da grave crise fiscal, Bolsonaro concedeu no ano passado aumento salarial a policiais civis e militares e bombeiros do Distrito Federal. Militares do Amapá, Roraima e Rondônia também se beneficiaram. O custo estimado desses reajustes é de 505 milhões de reais. O presidente também prometeu a abertura de um concurso público, com 1 500 vagas, para ampliar os quadros da Polícia Federal.
Parte importante do plano presidencial de aproximação se desenrola hoje no Legislativo. Com as bênçãos da bancada da bala, uma das mais importantes bases de apoio ao governo, tramitam na Câmara propostas que mudam a estrutura corporativa das polícias. Elaboradas pelo deputado Capitão Augusto (PL-SP), elas fixam, por exemplo, mandato de dois anos para os comandantes-gerais da PM, que não poderiam mais ser demitidos a qualquer tempo pelos governadores. Também preveem a criação da patente de general na PM, que se tornaria uma espécie de quarta força, ao lado de Exército, Marinha e Aeronáutica. Governadores já se manifestaram contra a iniciativa. Disse o tucano João Doria, provável adversário de Bolsonaro na sucessão presidencial de 2022: “Não há nenhuma razão que justifique (as mudanças), exceto a militarização desejada pelo presidente para intimidar governadores através da força policial militar”.
Além de estreitar laços com agentes de segurança, Bolsonaro tem adotado como prioridade, desde o início do mandato, baixar normas que facilitem o armamento da população. Está alcançando seus objetivos. Segundo dados da Polícia Federal, foram registradas no ano passado 179 771 armas de fogo, crescimento de 91%, na comparação com 2019. Ao comentar esses dados, o presidente disse que “achou pouco” o aumento e prometeu editar regras mais brandas nos próximos dias. Na famosa reunião ministerial de abril de 2020, Bolsonaro justificou a obsessão pelo armamento da população com a alegação de que isso impediria a implantação de uma ditadura no país. Já numa live na véspera do Natal passado, retomou um velho discurso de campanha: “Eu quero que o povo brasileiro todo se arme porque a vagabundagem já está armada”. O temor é de que haja um terceiro objetivo, crucial mas inconfessável: a formação de exércitos de apoiadores que, a exemplo do que ocorreu nos Estados Unidos, poderiam marchar para defender o mandato ou a reeleição do presidente.
Pode parecer exagero, mas o fato é que até o comandante do Exército, o sempre reservado general Edson Pujol, se viu obrigado a se manifestar sobre a militarização do governo depois de o presidente participar de atos públicos contra o Congresso e o STF. Equilibrando-se entre o respeito à hierarquia inerente a seu cargo e a necessidade de passar um recado contundente, Pujol declarou que a política não deveria entrar nos quartéis. O general tem toda a razão. Como instituições de Estado, as Forças Armadas e as polícias não podem se transformar em instrumentos de disputa política. Caso o façam, o resultado pode ser trágico.
Publicado em VEJA de 20 de janeiro de 2021, edição nº 2721