Para boa parte dos brasileiros, pelo menos até algumas semanas atrás, a ideia de grupos neonazistas operando nas sombras para recrutar terroristas poderia soar como uma realidade distante — a maioria dos relatos vinha do noticiário internacional, particularmente de países com maioria populacional branca e relação histórica com os movimentos fascistas da Segunda Guerra Mundial. A recente onda de atentados com tons extremistas, no entanto, trouxe à tona o alarmante volume de conteúdos nas redes sociais que exaltam a violência e atraem crianças e adolescentes para um universo macabro de ódio e intolerância.
Como mostra reportagem de VEJA desta semana, o governo brasileiro iniciou a sua maior ofensiva para tentar enquadrar as grandes companhias de tecnologia, inclusive para responsabilizá-las pelos conteúdos que divulgam — o que sempre provocou resistência dessas empresas. O pacote de medidas anunciado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, veio na esteira de dois ataques a ambientes escolares — uma escola em São Paulo e uma creche em Blumenau — que deixaram uma professora e quatro crianças mortas, além de vários feridos.
Os episódios crescentes de violências em escolas — foram 25 no Brasil desde 2002, sendo 14 desde o ano passado (veja quadro acima). Boa parte desses casos têm alguma conexão ou influência com o trabalho de organizações extremistas que atuam não apenas em cantos obscuros da internet, mas também em plataformas populares entre os jovens como Twitter, Facebook, TikTok e Discord. Outras redes não são tão conhecidas pelo público em geral, mas também têm alcance considerável no Brasil, como a plataforma russa VK e o aplicativo de mensagens Parler, notório reduto de conspiracionistas, negacionistas e apoiadores de extrema direita.
“Os jogos online também são um ambiente propenso ao contato de adolescentes com recrutadores neonazistas, já que muitos pais não têm conhecimento das interações que ocorrem lá”, alerta o delegado Arthur Lopes, titular da Delegacia de Repressão ao Racismo e Intolerância da Polícia Civil de Santa Catarina, que investiga a atuação de grupos neonazistas no estado. A relação entre violência e jogos no estilo RPG, aliás, é explicitada em atentados onde o agressor interpreta um personagem extremista nos fóruns digitais e passa a desempenhar o papel no mundo real, prática conhecida como LARP (Live Action Role Playing) e adotada, por exemplo, por um neonazista de 19 anos preso em 17 de março em Porto Belo, SC, por apologia à violência contra negros e judeus.
O cenário se agrava ao considerar-se que o chamado neonazismo é apenas uma das diversas subculturas de ódio que se comunicam quase livremente através de uma ampla gama de plataformas. A pesquisadora Michele Prado, da USP, coordena um grupo de monitoramento das redes sociais que identificou uma complexa rede de vertentes extremistas que interagem entre si — movimentos que promovem racismo, misoginia, negacionismo, teorias da conspiração e até cultos satânicos se retroalimentam por meio de hashtags e contribuem para a radicalização cada vez mais intensa dos jovens, que são bombardeados com conteúdos violentos de toda natureza. “A falta de estudos abrangentes e de diferenciação entre todas estas correntes torna quase impossível o combate ao extremismo no Brasil”, avalia.
À primeira vista, o discurso usado por recrutadores extremistas é tão torpe que parece absurdo o seu sucesso em cooptar os jovens. Uma análise mais ampla, porém, revela que os terroristas são hábeis em identificar e explorar as vulnerabilidades dos adolescentes. “O tom das postagens busca convencer o jovem de que ele é vítima de injustiças da sociedade”, explica David Nemer, antropólogo e professor de Estudos de Mídia da Universidade da Virgínia. Para aliciar alvos de bullying, por exemplo, os criminosos tentam direcionar a raiva da vítima contra professores e colegas. Seduzidos pela ilusão de acolhimento, os jovens são atraídos para comunidades onde são radicalizados e, ao fim do processo, tornam-se potenciais autores de atentados terroristas.
É justamente esta fragilidade emocional que os movimentos de apoio pedagógico buscam abordar, a partir de acompanhamento psicológico e formação de pais e professores para lidar com as frustrações dos adolescentes. “É preciso criar uma integração entre familiares, educadores e a comunidade local para transformar tanto a casa quanto a escola em ambientes acolhedores para os alunos”, afirma Mônica Rodrigues Dias Pinto, chefe da área de Educação da Unicef no Brasil, que trabalha junto aos estados brasileiros para promover políticas de apoio a estudantes dentro e fora das instituições de ensino. Relatórios do Unicef indicam que a ajuda para lidar com questões emocionais é uma das principais demandas de alunos que não são atendidas pelas escolas — mais além, estudos da entidade dentro e fora do Brasil apontam que o acolhimento de crianças e adolescentes é a estratégia mais eficiente para evitar sua suscetibilidade à radicalização nas redes sociais.