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As polêmicas de Pablo Marçal, coach que virou concorrente sério em SP

Pré-candidato do PRTB à capital paulista fez fortuna como guru motivacional e responde a mais de 100 ações na Justiça

Por Isabella Alonso Panho, Bruno Caniato Atualizado em 28 jun 2024, 14h42 - Publicado em 28 jun 2024, 06h00

Poucos dias depois do réveillon de 2022, um grupo de 32 pessoas teve de ser resgatado pelos bombeiros, em meio a frio, chuva e neblina, a 2 400 metros de altitude, na Serra da Mantiqueira paulista. Quem liderava a trupe era o coach Pablo Marçal. Naquele mesmo ano, ele teve sua pretensão de ser candidato à Presidência barrada pelo PROS, que preferiu apoiar Lula. Elegeu-se deputado federal com 243 000 votos, mas teve o registro cassado por irregularidade. Há poucas semanas, reapareceu na cena causando estragos na disputa pelo comando de São Paulo. A cada rodada de pesquisas, ele cresce como pré-candidato do PRTB à capital do estado e se torna uma ameaça concreta aos favoritos — em especial, ao prefeito Ricardo Nunes (MDB), com quem divide os votos mais à direita.

À medida que ganha visibilidade, Marçal fatalmente vai ter de explicar melhor detalhes do seu currículo. A fracassada peregrinação na mata e a campanha eleitoral de 2022 lhe renderam uma investigação na Polícia Civil e outra na Polícia Federal, respectivamente, ambas em tramitação. Levantamento feito por VEJA encontrou ao menos 101 ações judiciais em que o coach e suas empresas aparecem como réus em São Paulo, Goiás, Paraná, Santa Catarina, Pará, Amazonas, Acre e Sergipe. Ele não foi condenado até agora em nenhum desses casos.

arte Pablo M.

O problema judicial mais antigo remonta ao ano de 2005, quando virou réu em uma ação penal em Goiânia, acusado de integrar uma quadrilha que falsificava boletos para aplicar golpes digitais. O caso acabou arquivado por prescrição (veja o quadro e a entrevista abaixo). Por ironia, a coleção de litígios cresceu após um desafio lançado por Marçal em março, durante entrevista a uma rádio, quando prometeu recompensa de 1 milhão de dólares a quem encontrasse registros de que ele “processou alguém por conta de qualquer coisa”. Muita gente achou — ele é autor de ao menos dez ações judiciais —, o que lhe valeu mais de vinte cobranças nos tribunais que, somadas, superam 200 milhões de reais. Há também 48 processos públicos que totalizam 11 milhões de reais contra o pré-candidato e suas companhias. Eles envolvem indenizações por danos morais, acidentes de trabalho, rescisões de contrato e ilegalidades trabalhistas. Cerca de trinta outros estão sob segredo de Justiça.

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De novo à arena política, o caso que lhe pode trazer mais dor de cabeça é exatamente de caráter eleitoral. A Polícia Federal tem uma investigação contra ele pela suposta prática dos crimes de falsidade ideológica eleitoral, apropriação indébita eleitoral e lavagem de capitais. O motivo foi o volume de doações feitas por Marçal a si próprio para a empreitada política de 2022. Ele e o seu principal sócio, Marcos Paulo de Oliveira, doaram para as campanhas a presidente e deputado mais de 1,7 milhão de reais. Como esse dinheiro foi gasto com serviços das empresas do próprio Marçal — Aviation Participações, Marçal Participações e Marçal Holding Ltda. —, a manobra levantou suspeitas. Em julho de 2023, no bojo dessa apuração, a PF fez operações de busca e apreensão na casa do coach e nas três empresas — uma não foi encontrada, outra era uma editora de livros e a terceira tinha apenas uma mesa de bilhar e outra de pingue-pongue. A investigação precisa esclarecer se houve mesmo alguma irregularidade, já que o volume autodoado por Marçal está dentro da lei: ela dita que uma pessoa pode doar até 10% do seu patrimônio. Ou seja, até que se prove o contrário, o coach é inocente nesse caso.

OPERAÇÃO - PF em endereço ligado a Marçal: suspeita de lavagem de dinheiro
OPERAÇÃO - PF em endereço ligado a Marçal: suspeita de lavagem de dinheiro (Polícia Federal/.)

O montante milionário investido na campanha, aliás, é compatível com as posses dele. Ao tentar ser presidente, Marçal declarou ter 96,9 milhões de reais em ações, participações societárias, cotas sociais de empresas, lucros e dividendos. Na lista não há nenhum veículo, mas constam três imóveis — uma sala comercial, um apartamento em Goiânia e uma chácara, que, juntos, valiam 254 000 reais. Na declaração de bens para deputado, surge ainda um “terreno urbano” de 4,9 milhões de reais.

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A fama e a fortuna de Marçal vieram basicamente da sua visibilidade como coach. Natural de Goiânia, hoje com 37 anos, ele diz que fez seu primeiro milhão há uma década. E usa a própria história para inspirar os seguidores: a de um rapaz de origem humilde, que começou de baixo e venceu na vida pelo próprio esforço. Filho de um funcionário público e uma empregada doméstica, o guru começou a trabalhar aos 18 anos como operador de call center, cursou direito e, poucos anos depois, resolveu empreender com seus cursos e mentorias. Hoje, tem mais de 11 milhões de seguidores no Instagram e 3,5 milhões no YouTube, plataformas que ele usa para vender ensinamentos sobre como ter uma vida mais próspera e enriquecer usando a internet. Marçal afirma que já publicou mais de cinquenta livros sobre prosperidade financeira, fé e família e lançou até um reality show, o La Casa Digital, cujos métodos são questionados na Justiça por um participante que diz ter sido agredido nas gravações.

CARTAS NA MESA - O pré-candidato: ele se coloca como o substituto de Salles
CARTAS NA MESA - O pré-candidato: ele se coloca como o substituto de Salles (@pablomarcal1/Instagram)

Nos últimos anos, a abertura de negócios tornou-se frequente para Marçal. Ele é sócio de dezesseis CNPJs ativos, dos quais quinze registrados desde 2018. Tudo é organizado a partir de sete holdings, incluindo cinco centros de treinamento, um colégio, duas incorporadoras imobiliárias e um resort no interior paulista — as empresas somam 200 milhões de reais em capital social. Mais de dez têm sede no mesmo prédio comercial em Alphaville, no município de Barueri, local onde a Polícia Federal fez busca e apreensão durante a operação do ano passado. O pré-candidato tem dois parceiros de confiança: sua esposa, Ana Carolina Marçal, sócia em cinco empresas, e o amigo goiano Marcos Paulo de Oliveira, coproprietário de outras cinco. Outro nome que se destaca nas sociedades é o do influenciador digital Nezio Monteiro, também dono do hotel Resort Digital em Porto Feliz, que recebeu 20 000 reais em doações eleitorais de Marçal quando tentou, sem sucesso, se eleger deputado estadual em 2022.

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Embalada pela fama nas redes sociais, a entrada de Marçal na disputa para a prefeitura de São Paulo mexeu com o jogo. Embora o prefeito Ricardo Nunes e o deputado Guilherme Boulos (PSOL) ainda estejam na ponta, empatados tecnicamente, o coach foi o único que cresceu fora da margem de erro em levantamento divulgado nesta semana pelo Paraná Pesquisas — em relação a maio, seu percentual dobrou, chegando a 10% (veja o quadro). Na quinta, 27, outro levantamento, da Quaest, também mostrou Marçal com o mesmo número, embora neste caso em quarto lugar, atrás do apresentador José Luiz Datena, pré-candidato do PSDB. Sua ascensão fez com que Nunes antecipasse a escolha do seu vice. A opção pelo coronel da reserva Ricardo Mello Araújo, bancado pelo ex-­presidente Jair Bolsonaro e pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), é, aliás, uma tentativa de impedir a fuga de eleitores bolsonaristas para a candidatura de Marçal.

arte Pablo Marçal

Não à toa, o coach divulgou um vídeo em que se coloca no páreo no lugar do deputado federal Ricardo Salles (PL), único que para ele seria “realmente de direita” (o ex-ministro desistiu da disputa). Marçal promete ir até o fim da campanha, não renega o DNA bolsonarista, mas se diz agora “marçalista”. O número de processos tampouco o constrange. “É uma quantidade relativamente baixa pelo nosso número de clientes”, afirma. Resta saber se esse tipo de argumento será suficiente para convencer os eleitores paulistanos e evitar tropeços na nova tentativa de escalada política.

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“Doei e usei meu dinheiro”

Em entrevista a VEJA, Pablo Marçal se defende dos processos que correm contra ele e suas empresas na Justiça.

O senhor teme a investigação da PF por suspeitas envolvendo doações para suas candidaturas em 2022? Doei e usei meu próprio dinheiro. Não utilizei verba pública. Isso é perseguição política por eu ter apoiado o Bolsonaro. Fui usar aeronaves, aluguei as minhas. Fui usar carro blindado, aluguei minha frota.

Como explica ter mais de 100 processos em seu nome e de suas empresas? O número é pequeno em relação ao número de clientes das empresas. Com relação à minha pessoa física, entre esses processos, constam muitas ações oportunistas.

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Por que virou réu em 2005, em Goiânia, por formação de quadrilha e furto qualificado? O processo correu à minha revelia. Não tinha condições financeiras de pagar advogado. Trabalhei para o pastor da igreja que eu frequentava, consertando computador para ele, e sobrou para mim.

O senhor fundou quinze empresas desde 2018, dez no mesmo endereço, em Barueri. Qual o motivo? Por incentivos fiscais que recebo. O prédio que aloca as empresas é grande. Mais sobre isso teria que perguntar a meu advogado tributário. Imagine que vou saber esse tanto de coisa.

Publicado em VEJA de 28 de junho de 2024, edição nº 2899

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