Zema vê caminho difícil para 2026 após apoiar nomes que não decolaram
O desempenho eleitoral do governador não foi dos melhores: ele apostou três vezes no nome errado em Belo Horizonte
O empresário Romeu Zema estreou na política de forma surpreendente em 2018, quando foi eleito governador de Minas Gerais, o segundo maior colégio eleitoral do país, prometendo um choque privado de gestão em um estado à beira da falência. Conseguiu resolver, ou adiar, os principais problemas e, quatro anos depois, foi reeleito no primeiro turno, consolidou sua popularidade e rapidamente se tornou um dos nomes cotados para disputar a Presidência da República em 2026. O sonho que sempre alimentou, no entanto, sofreu um baque nas eleições municipais deste ano. Deu tudo errado. Fez apostas equivocadas em alianças políticas, acumulou derrotas e viu seus adversários saírem fortalecidos para o próximo embate eleitoral. A caminhada para o Palácio do Planalto não foi oficialmente abandonada, mas o trajeto ficou bem mais acidentado.
O desempenho de Zema como cabo eleitoral na disputa municipal realmente não foi dos melhores. O governador apostou três vezes no nome errado em Belo Horizonte. Primeiro, bancou a candidatura de sua secretária de Planejamento e Gestão, Luísa Barreto (Novo). Com baixa intenção de votos, ela acabou como vice na chapa do apresentador e deputado estadual Mauro Tramonte (Republicanos), com quem Zema fez aliança. O candidato chegou a liderar, mas, tal qual um “cavalo paraguaio”, foi perdendo força e chegou em terceiro lugar. No segundo turno, então, Zema decidiu apoiar o deputado estadual Bruno Engler (PL), que liderou o páreo no primeiro turno, mas perdeu para o prefeito Fuad Noman (PSD). Fora da capital, o governador acumulou derrotas em cidades importantes como Uberlândia, Contagem, Juiz de Fora, Uberaba e Governador Valadares. “Zema sai com a performance muito ruim nos cinco dos principais municípios do estado. É significativo”, diz o cientista político Leonardo Avritzer, da Universidade Federal de Minas Gerais.
O resultado é ainda pior se comparado ao de quadros com o mesmo perfil que querem tentar o Planalto em 2026. Governadores alinhados à direita, Tarcísio de Freitas (São Paulo), Ratinho Junior (Paraná) e Ronaldo Caiado (Goiás) saíram fortalecidos das eleições municipais. O gestor de São Paulo, considerado o nome mais forte para representar a direita caso o ex-presidente Jair Bolsonaro continue inelegível, foi o principal fiador da vitoriosa candidatura de Ricardo Nunes (MDB) à reeleição na capital paulista. Ratinho conseguiu eleger Eduardo Pimentel (PSD) em Curitiba, vencendo a radical Cristina Graeml (PMB). Caiado obteve feito parecido em Goiânia e emplacou Sandro Mabel (União Brasil) contra Fred Rodrigues (PL), concorrente apoiado por Bolsonaro. O presidente do Novo, Eduardo Ribeiro, diz que o partido pode negociar uma aliança com os governadores, mas que por ora vai manter a candidatura de Zema na mesa. “São grandes nomes, nenhuma porta deve ser fechada”, afirmou.
Não bastasse ter ficado menor no plano nacional, Zema viu o seu espaço encolher em Minas. A reeleição de Noman fortalece o plano do PSD, rival de Zema, de tomar o governo em 2026. O partido tem o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, como opções para a disputa. Ambos mantêm boa relação com Lula, o que poderia resultar em uma aliança com o petista no estado. “Temos capacidade e condições de ter candidato a governador, vice-governador, senador e ótimas chapas de deputados federais e estaduais”, diz o presidente do diretório estadual do PSD, Cássio Soares. Outros nomes fortes podem estar no páreo ao governo, como o ex-prefeito Alexandre Kalil, que deixou o PSD, o ex-governador Aécio Neves (PSDB) e o senador Cleitinho Azevedo (Republicanos).
O maior problema para Zema, no entanto, é o fortalecimento do PL no estado. Além de Bruno Engler, que foi muito bem votado, há a possibilidade de aparecer no páreo o deputado Nikolas Ferreira. Se isso ocorrer, Zema perde o voto bolsonarista e de direita, o que seria fatal para alguém que chegou ao governo embalado por esse eleitor e que planeja disputar o Planalto como uma alternativa exatamente desse segmento ideológico. O candidato de Zema, por enquanto, é o vice-governador, Mateus Simões, também do Novo. Ele foi eleito vereador da capital em 2016 e ocupou o cargo de secretário-geral de governo no primeiro mandato, entre 2020 e 2022. Assumiu o comando do estado na última semana, porque Zema viajou para a Ásia. Preparando-se para a campanha de 2026, o vice fez diversas viagens para o interior nos últimos meses, participou de encontros com prefeitos e inaugurou obras. Nas eleições também visitou municípios que tinham candidatos apoiados pelo Novo. O tamanho do partido pode ser um empecilho para o projeto político dos dois. Apesar de ter crescido no pleito deste ano, a sigla só tem dezenove prefeitos e está atrás de outras legendas nanicas como PCdoB, Avante e Mobiliza. A bancada na Câmara tem quatro deputados, o que não dá direito nem a participação em debates e no horário eleitoral.
É impressionante a inversão de expectativas que ocorreu com relação ao nome do governador. Quando surgiu na política, na onda de outsiders de 2018, Zema parecia um dos nomes mais promissores. A carreira de sucesso empresarial e o discurso liberal encantaram muitos eleitores. Quase de imediato, passou a ser citado como um candidato forte numa futura eleição ao Palácio do Planalto. Só que a estrela foi se apagando por uma série de percalços. Para além dos obstáculos no âmbito eleitoral, há os problemas de gestão. Zema não conseguiu, por exemplo, avançar em nenhuma privatização, uma de suas grandes promessas. Seis anos depois de assumir o cargo prometendo restabelecer a saúde financeira do estado, ele está enredado em uma gigantesca crise. A dívida com a União, que era de 14 bilhões de reais em 1998, ao fim do mandato de Eduardo Azeredo (PSDB), chegou a 165 bilhões de reais na atual gestão. Desde 2019, quando assumiu, Zema tenta aprovar a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal. Apesar dos seus esforços, a pauta travou na Assembleia. Interessado em assumir o comando do estado, Rodrigo Pacheco também entrou nas negociações com a União sobre o tema. O governador anunciou, em 2 de outubro, que pagou a primeira parcela à União, após um acordo homologado pelo STF, mas ainda resta quitar 153 bilhões de reais.
O cenário para Zema não está nada animador, é verdade, mas ele dá sinais de que não irá jogar a toalha tão cedo. Em meio às derrotas, recorreu ao expediente de aumentar o volume de seu discurso de oposição. Nas últimas semanas, intensificou as críticas a Lula, fez acenos à direita ao elogiar a vitória de Donald Trump e criticar a absolvição de José Dirceu pelo STF e se recusou a ir a um evento no Palácio do Planalto sobre segurança. “O que nós temos visto é um governo que tem procurado debater sobre o crime e não combater o crime”, disse. Também criticou o rival Alexandre Silveira e o governo federal pelo acordo de repactuação de Mariana com as mineradoras responsáveis pela tragédia. Nas entrevistas, admite que não irá tentar o Senado (serão duas vagas), porque avalia não ter perfil para o Congresso, mas diz que estará no embate nacional de alguma forma. “Quero estar atuando muito na campanha presidencial, não sei se como candidato, como vice ou como apoio a um nome da centro-direita”, afirmou após a eleição municipal. Como bom mineiro, Zema vai ficar olhando o movimento, esperar o trem para 2026 chegar ao pátio da estação e só aí decidir se tem cacife para ser o maquinista ou se vai embarcar como passageiro. O risco maior é o de ficar pelo meio do caminho.
Publicado em VEJA de 8 de novembro de 2024, edição nº 2918