Alta procura por Ozempic e Mounjaro causa efeito colateral: as gangues das canetas
De janeiro até outubro foram 259 assaltos a farmácias no estado de São Paulo
No dia 28 de outubro, o taxista Marcelo Silveira, de 57 anos, trabalhava normalmente quando decidiu parar em uma farmácia do Morumbi, Zona Sul de São Paulo, por volta das 22 horas. Ele não teve tempo de pedir nenhum produto aos atendentes, porque no mesmo momento quatro bandidos entraram armados no local. Um dos criminosos pensou que Silveira fosse segurança e deu um tiro na cabeça dele, que morreu no dia seguinte. O bando estava em busca das chamadas canetas emagrecedoras, como são conhecidos os medicamentos para obesidade e diabetes cada vez mais populares, entre eles Ozempic, Wegovy e Mounjaro, que valem a partir de 1 000 reais a unidade e se tornaram objetos de cobiça de ladrões pelo país.
O aumento no número de assaltos desse tipo mudou o padrão de funcionamento das drogarias, que passaram a colocar seguranças armados nas portas. Estabelecimentos antes abertos 24 horas, algo comum nessa atividade, começaram a fechar durante a madrugada. A Associação Brasileira de Farmácias e Drogarias (Abrafarma) criou um comitê com representantes das 29 maiores redes farmacêuticas para monitorar a “crescente incidência de furtos e roubos nesses estabelecimentos”. A ideia, diz a instituição, é dar mais amplitude ao acompanhamento de dados e casos sobre essas práticas criminosas, promover o compartilhamento de inteligência interna e sugerir atitudes preventivas. “Nunca na história da entidade cogitou-se qualquer abordagem nessa área, mas essa mudança de olhar demonstra a gravidade e insegurança dos tempos atuais”, diz Sergio Mena Barreto, CEO da Abrafarma.
Embora não existam estatísticas específicas sobre esse tipo de roubo no Brasil, os dados de São Paulo dão uma ideia do tamanho do problema. De janeiro até outubro foram 259 assaltos a farmácias no estado, um número assustador se comparado com 2022, antes da chegada das canetas emagrecedoras, quando nenhuma ocorrência de roubo em drogarias foi registrada. Já em 2024, o total de ocorrências havia saltado para 275, marca que tende a ser superada neste ano. Ao menos três quadrilhas especializadas em roubar medicamentos de alto custo foram desmanteladas pela polícia paulista. Em um dos casos, os agentes prenderam cinco criminosos com idades entre 21 e 34 anos, entre eles suspeitos de terem matado, em fevereiro de 2024, o policial militar Anderson Valentim, 46, e a filha dele, Alycia Perroni Valentim, 19, no estacionamento de uma farmácia da Zona Norte de São Paulo. A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo informou, em nota, que ampliou “as ações contra roubos e furtos a farmácias, com foco na identificação e prisão de criminosos, na desarticulação do mercado ilegal de medicamentos e na responsabilização de receptadores”. Sessenta bandidos acabaram presos e oito menores de idade foram detidos apenas entre janeiro e setembro deste ano. As operações resultaram na recuperação de pelo menos 1 milhão de reais em produtos e de 1 774 canetas emagrecedoras.
Os roubos não são a única modalidade de exploração criminosa do boom das canetas emagrecedoras. Dados da Receita Federal mostram a escalada da tentativa de comercializar os medicamentos de maneira irregular. Em 2023, apenas sete produtos foram apreendidos, mas o número saltou para 2 545 unidades em 2024 e chegou a 11 351 até setembro deste ano. Os bandidos tiveram um prejuízo estimado em 29 milhões de reais com essas operações. Pouco mais de 6 000 canetas do tipo foram confiscadas apenas no Aeroporto de Guarulhos nos últimos doze meses. Os aeroportos do Galeão, no Rio, e Luís Eduardo Magalhães, em Salvador, também ampliaram a fiscalização com o aumento de contrabando oriundo da Inglaterra. Emanuel Boschetti, delegado da Alfândega de Guarulhos, diz que a principal rota parte de Londres, que fornece gratuitamente o medicamento. “O pessoal trazia junto ao corpo, tentava disfarçar como canetinha de criança, com embalagem de bala, em fundo falso de mala”, afirma. Nos últimos três meses, investigadores perceberam utilização das fronteiras terrestres de países como Paraguai, Argentina e Uruguai. “Muitos passageiros que a gente aborda são médicos ou esteticistas”, diz o delegado. Presos, os criminosos podem responder por contrabando ou crime contra a saúde pública e pegar até quinze anos de prisão.
As canetas para emagrecer são uma revolução no tratamento da obesidade, doença que afeta uma em cada oito pessoas no mundo inteiro, segundo a Organização Mundial da Saúde. Um dos principais fatores para o custo alto é a logística de produção e armazenamento: as canetas precisam ficar em ambientes com 2 a 8 graus negativos até serem aplicadas. Por isso, o mais imediato risco de adquirir esses produtos no mercado ilegal é consumir medicações sem eficácia. “Esses remédios são proteínas que precisam permanecer geladas, senão degradam e perdem a eficácia”, diz o endocrinologista Marcio Mancini, chefe do Grupo de Obesidade do Hospital das Clínicas da USP. Isso, claro, se a medicação for verdadeira: há casos de fábricas clandestinas em que as canetas são produzidas sem qualquer controle sanitário. Embora essas drogas sejam uma revolução na medicina global, os recentes episódios mostram um efeito colateral: a exploração criminosa do avanço científico. O sinal de emergência foi disparado.
Publicado em VEJA de 12 de dezembro de 2025, edição nº 2974
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