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Agitação no púlpito: a briga íntima pelo comando da igreja Bola de Neve

Um vídeo que viralizou no dia do enterro do apóstolo Rina tornou público o caso

Por Duda Monteiro de Barros Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 14 dez 2024, 08h00

Uma nova denominação evangélica despontou no Brasil há três décadas com uma proposta revolucionária para a época. A Bola de Neve Church mirava os jovens, dizia-se conectada a praticantes de esportes radicais e, no lugar do púlpito tradicional, acomodava uma prancha de surfe, tradição que perdura até hoje. Seu fundador, Rinaldo Luiz de Seixas Pereira, o apóstolo Rina, chacoalhou o universo da religião ao criar um ambiente neopentecostal descontraído, com estrutura de casa de show, canções ao ritmo de reggae e rock e fiéis em roupas casuais, exibindo piercings e tatuagens. A mistura de modernidade e espiritualidade, com um quê de palestra motivacional, atraiu nomes como Gabriel Medina, Fernanda Vasconcellos, Sasha Meneghel e fez da Bola de Neve um sucesso fenomenal.

Da sala alugada no Cambuci, na capital paulista, Rina, teólogo com formação em marketing, construiu um império com mais de 560 unidades e células espalhadas por cinco continentes. Sua morte inesperada aos 52 anos, em um acidente de motocicleta, mostrou, porém, que, por trás da fachada de êxito e empolgação, a igreja acumulou controvérsias em série envolvendo poder, abusos e conflitos familiares.

A liderança da Bola de Neve estava em xeque desde junho, quando a cantora gospel Denise Seixas, mulher de Rina, denunciou o marido por lesão corporal, violência psicológica, ameaça, injúria e difamação — um inquérito que corre sob segredo no Tribunal de Justiça de São Paulo. Na época das acusações, foi concedida uma medida protetiva estipulando que o apóstolo mantivesse no mínimo 300 metros de distância dela. Presidente e vice da instituição, os dois foram afastados. A ausência de Rina era temporária, mas ele seguiu atuando nos bastidores. A de Denise, não — em agosto ela assinou um documento renunciando ao cargo de vice-presidente. Agora que apareceu a chance de a cantora assumir a presidência da igreja, o enredo deu uma boa sacudida.

SEPARAÇÃO - Rina e Denise: ela o acusou de violência física e psicológica
SEPARAÇÃO - Rina e Denise: ela o acusou de violência física e psicológica (@deniseseixas/Instagram)

A disputa veio à tona justamente no dia do velório de Rina e envolve um misterioso envelope. Aparentemente, a renúncia que Denise assinou precisa ser formalizada, e uma minuta do novo documento foi parar no meio da papelada do óbito e enterro do apóstolo. Em uma sala anexa ao velório, a viúva examinou o conteúdo do tal envelope (após, segundo a igreja, uma “agressão à funcionária” que o portava), localizou a minuta e acusou o conselho de querer forçá-la a assinar em um momento de luto. O conselho nega — em nota a VEJA, afirmou que “os papéis estavam num envelope no qual estavam arquivados outros documentos de rotina administrativa” e que “o pedido de renúncia não seria entregue no dia, em respeito ao clima de tristeza”. O fato é que a cena foi gravada, o vídeo viralizou e a briga se tornou pública.

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Indignada, duas semanas após a morte do marido, Denise entrou com seus advogados na sede da igreja. O episódio culminou em abertura de boletim de ocorrência contra ela. Desde o afastamento de Rina, em julho, a gestão administrativa vem sendo exercida por Fábio Santos, integrante há mais de vinte anos da Bola de Neve, e a ocupação por ele da cadeira de presidente estava prestes a ser oficializada.

SUCESSO - Sasha e Medina: estética moderninha sob medida para os jovens
SUCESSO - Sasha e Medina: estética moderninha sob medida para os jovens (Swan Gallet/WWD/Getty Images; Brennan Asplen/Getty Images)

Na Bola de Neve, a liderança é inquestionável e dita o tom e as regras de todas as unidades. Segundo ex-­fiéis, trata-se de uma espécie de “empresa teocrática”, em que a voz do presidente é vista como mensagem vinda diretamente de Deus, e quem a contraria comete pecado. L.J., 29, que não quis se identificar, frequentou a unidade de Fortaleza por seis anos e se afastou após notar “comportamentos duvidosos”. Perguntar sobre o destino do dízimo ou a arrecadação do mês é considerado um ato de rebeldia a ser sufocado. “Primeiro, me senti acolhida. Com o passar do tempo, vi que parecia mais uma empresa com CEO e franquias. A marca Bola de Neve é mais forte do que a palavra divina e o Rina era todo-poderoso”, contou a VEJA. Ele deixa mais três empresas com registro ativo: uma produtora musical, uma imobiliária e uma produtora audiovisual.

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Por trás da vitrine de autonomia e livre-arbítrio da igreja move-se uma engrenagem burocrática e hierarquizada. A adoção do sistema neopentecostal de células, em que pessoas autorizadas criam pequenos grupos que se reúnem à parte do culto, facilita a supervisão de tudo e todos. “Os fiéis precisam da autorização do líder até para namorar. É um controle invasivo”, explica Lidice Meyer, antropóloga da Universidade Lusófona, em Portugal, especializada em religião. O dízimo arrecadado é enviado à liderança, que dispõe dele como bem entende. “É mais uma forma de centralização da autoridade”, ressalta Meyer. Não é à toa que os ânimos estão acirrados na cúpula da Bola de Neve.

Publicado em VEJA de 13 de dezembro de 2024, edição nº 2923

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