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A guerra de Emílio e Marcelo Odebrecht que ameaça a delação da Lava Jato

As chantagens, acusações e disputas por dinheiro que colocaram pai contra filho

Por Thiago Bronzatto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 10 jul 2020, 11h35 - Publicado em 10 jul 2020, 06h00

Emílio Odebrecht e o filho Marcelo Odebrecht comandaram juntos a maior construtora do país por sete anos. A Operação Lava-Jato descobriu que, nesse período, eles também pilotaram um esquema de corrupção que movimentou mais de 10 bilhões de reais em pagamentos de propina no Brasil e em outros onze países. Marcelo foi condenado a dezenove anos de prisão, fez um acordo de delação premiada e atualmente cumpre pena em regime semiaberto. Suas confissões e as de outros executivos da empreiteira envolveram doze governadores de estado, 61 parlamentares e três ex-presidentes da República — o emedebista Michel Temer e os petistas Dilma Rousseff e Lula, que já foi condenado e preso. Agora, uma briga que tem como pano de fundo o pagamento equivalente a 268 milhões de reais pode pôr tudo a perder. A Odebrecht, comandada por um fiel escudeiro de Emílio, acusa Marcelo de achacar a empresa usando como arma o acordo de colaboração com a Justiça. Marcelo, por sua vez, diz que Emílio está tentando sufocá-lo financeiramente para impedir que ele continue revelando os segredos que o pai escondeu e ainda esconde das autoridades. O embate entre os dois, que começou quando Marcelo assumiu o papel de delator, entrou recentemente em estado de efervescência.

DELAÇÃO DE 500 MILHÕES - A tabela mostra o valor das indenizações pagas a Marcelo Odebrecht e a outros 77 executivos da empresa que aceitaram assinar o acordo de colaboração premiada com a Justiça que enredou doze governadores, 61 parlamentares e três ex-presidentes da República — Temer, Dilma e Lula. (//Reprodução)
RETALIAÇÃO - Marcelo: ele diz que o pai tenta sabotar delação. (Fernando Lemos/Agência O Globo)

No fim do ano passado, Marcelo entregou ao Ministério Público um conjunto de documentos que apontam indícios de que a Odebrecht e a Braskem, empresa do mesmo grupo, “teriam omitido fatos e provas” que “podem ser do interesse de autoridades brasileiras e norte-americanas”. Entre as evidências destacadas pelo empresário, estão bônus pagos por Emílio Odebrecht na Suíça e que não foram declarados aos investigadores durante a negociação dos acordos de delação premiada. Depois disso, pai e filho praticamente não se falaram mais. No dia 1º de março deste ano, Marcelo enviou um e-mail a Emílio e a seu cunhado, Maurício Ferro, ex-diretor jurídico da empreiteira. Era um aceno de paz que, nas entrelinhas, também continha uma ameaça: “Meu pai, e Maurício, vocês estão indo por um caminho que além de extremamente desleal e desonesto, vai me empurrar/obrigar uma linha de defesa que só vai prejudicar vocês, e tantos outros. Tenho sempre me colocado em uma posição de buscar não apenas a conciliação, como também de contribuir no que é melhor para o todo. O que tenho visto, porém, são atitudes além de raivosas, insensatas”.

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ANTRO - Odebrecht: pagamentos de propina no Brasil e em onze países. (Marcelo D. Sants/FramePhoto/.)
ACENO DE PAZ – Em março passado, Marcelo Odebrecht enviou ao pai e ao genro uma mensagem em que se dizia aberto a uma conciliação, mas também acusava seus familiares de agirem de maneira “raivosa” e “insensata” e de seguirem um caminho “desleal e desonesto”, o que o obrigaria a reagir. (//Reprodução)

Emílio está convencido de que o filho usou a Lava-Jato para engordar a própria conta bancária. Durante as negociações dos acordos de colaboração, a empresa aprovou um pagamento de meio bilhão de reais em indenizações a Marcelo e outros 77 executivos que toparam colaborar com a Justiça. Marcelo, sozinho, levou a maior parte dessa bolada. Ele foi contemplado com 268 milhões de reais, sendo 73 milhões para quitar a multa judicial, 143 milhões de reais a título de compensação e mais 52 milhões em bônus por serviços prestados como presidente da empreiteira no período de 2013 a 2015. Essa montanha de dinheiro está na raiz da atual batalha entre pai e filho — e foi o que motivou Marcelo a enviar o e-mail com o aceno de paz, que acabou ignorado.

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PREJUÍZO BILIONÁRIO – A disputa entre pai e filho, segundo manifestação de Marcelo à Justiça, teria provocado um prejuízo superior a 5 bilhões de dólares (26,5 bilhões de reais) e levado
ao pedido de recuperação judicial da companhia. No documento, Marcelo insinua que o pai estaria se desfazendo de patrimônio . (//Reprodução)
LAVA-JATO - A delação da Odebrecht foi um divisor de águas na operação. (Marcelo Gonçalves/Sigmapress/.)
OBSTRUÇÃO DA JUSTIÇA – Em outro documento encaminhado à Justiça, Marcelo diz que o objetivo do pai é asfixiá-lo financeiramente para que ele deixe de colaborar com as investigações. O filho também acusa a nova administração da empresa de usar litígios como ardis para acobertar a responsabilidade do pai. (//Reprodução)

Dois dias depois da mensagem, a Odebrecht, hoje comandada por um executivo ligado a Emílio, ingressou com uma ação na Justiça e bloqueou os 143 milhões de reais depositados em nome da mulher e das filhas de Marcelo. Quinze dias depois, mais uma prova de que a guerra era para valer. Na 9ª Vara de Família, em São Paulo, Marcelo tentava mudar o status do seu regime de casamento. Numa petição anexada aos autos, a empresa pediu a suspensão do processo argumentando que estava em curso um “instrumento fraudulento de ocultação patrimonial”. O documento faz o relato de que uma investigação interna descobriu “diversos atos irregulares” praticados por Marcelo “que privaram a companhia de vultosas quantias de dinheiro” e ainda acusou o empreiteiro de pôr em prática uma “estratégia de blindagem patrimonial para evitar a devolução de valores indevidamente pagos a ele”. A ofensiva do pai continuou.

Em um terceiro processo, a Odebrecht pediu a anulação do contrato que previa o pagamento do bônus de 52 milhões de reais a Marcelo. A empresa se disse vítima de chantagem: “O Senhor Marcelo Odebrecht, desde que foi preso em função do revelado pela Operação Lava-Jato, passou a ameaçar a Odebrecht S.A. de diversas formas”, ressalta o documento. Marcelo teria exigido mais 40 milhões de reais para não fazer novas denúncias que envolveriam integrantes e ex-funcionários da companhia. A Odebrecht informou que “não aceitou pagar mais nenhum centavo” a Marcelo e que decidiu “dar um basta na escalada de ameaças” do empresário. Marcelo ainda foi acusado de ter conduzido o “multimilionário esquema de corrupção que hoje tem como seu principal resultado a crise financeira e a recuperação judicial de empresas do grupo”. Depois desse cerco, as relações entre pai e filho se romperam de uma vez por todas. Para Marcelo, Emílio usa o poder econômico para tentar impedir que ele continue colaborando com a Justiça.

O APELO DA MÃE -Numa tentativa de apaziguar os ânimos, Regina, a mãe de Marcelo, escreve um bilhete pedindo ao filho para “sair de cena” e deixar o pai se concentrar em “desfazer tudo
que estava programado”. Não fica claro o que seria exatamente isso, mas ela está preocupada com o futuro das empresas. (//Reprodução)
SAUDOSOS TEMPOS FELIZES - Emílio e Marcelo: eles não se falam mais. (Germano Lüders/Exame)
A MÁGOA DO PAI – Marcelo ficou preso em regime fechado por 914 dias. No bilhete, ele reclama de Emílio: “Dói muito que eu nunca tenha sido defendido por meu próprio pai. Eu nunca deixaria uma filha ou pai ser incriminado e trucidado na mídia por algo que não fez, sem sair publicamente em sua defesa”. (//Reprodução)

A briga acabou envolvendo toda a família. Em março, já em meio ao conflito, a mãe de Marcelo, Regina, tentou reaproximar pai e filho. “Seu pai pede, para que o futuro possa ser construído, que vc desça do pedestal, seja humilde, pois sua doença tem ofuscado seus sentimentos e memória lhe fazendo uma pessoa rancorosa e cega aos sofrimentos de terceiros, só enxerga os seus”, escreveu em uma mensagem. O conselho não surtiu efeito. Marcelo já havia formalizado na Justiça a acusação contra o pai. Segundo ele, Emílio manipulou o acordo com as autoridades americanas com objetivo de impedir que irregularidades da empresa no exterior fossem reveladas. Antes disso, o empreiteiro também já havia enviado às autoridades 10 000 páginas de registros pessoais e 5 000 e-mails. Parte desse material e de novos depoimentos de Marcelo resultou em denúncias criminais contra Maurício Ferro, o cunhado, e Mônica Odebrecht, a irmã, o que ampliou ainda mais o conflito familiar. Por essa nova colaboração, o empreiteiro ganhou o benefício de cumprir pena em regime semiaberto e voltar a frequentar a empresa.

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Antes do rompimento definitivo, Marcelo já mostrava o tamanho da mágoa que guarda em relação ao pai. “Dói muito que eu nunca tenha sido defendido por meu próprio pai. Eu nunca deixaria uma filha ou pai ser incriminado, e trucidado na mídia por algo que não fez, sem sair publicamente em sua defesa”, diz um bilhete anexado aos processos. O empreiteiro ficou 914 dias preso em regime fechado. Em dezembro, após fazer as acusações envolvendo o pai e o cunhado, ele foi demitido da empresa — “por justa causa”. No comunicado de dispensa, a Odebrecht justificou que o ex-presidente da companhia vinha “afirmando publicamente a existência de infundadas irregularidades praticadas pela Odebrecht e por superiores hierárquicos, o que caracteriza mau procedimento”.

AGRADO AO “CHEFE” - Lula: reforma do sítio paga pela empreiteira. (Adriano Machado/Reuters)
O OPORTUNISTA – O ex-presidente Lula quer se aproveitar da briga familiar dos Odebrecht para tentar escapar da condenação a dezessete anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. Segundo ele, está comprovado que a “calibragem” das delações dos executivos da Odebrecht se deu mediante “generosas benesses”. (//Reprodução)

Dois dias depois da demissão, a mãe do empresário enviou um bilhete a Marcelo tentando novamente contemporizar. “Filho, precisamos sair de cena, nós e toda a família, para que seu pai possa se concentrar em buscar desfazer tudo o que estava programado”, afirmou ela. Mais uma vez, ele ignorou o pedido e aumentou a carga contra Emílio, fazendo denúncias de supostas irregularidades envolvendo executivos ligados ao patriarca. Marcelo chegou a escrever um texto e enviar ao alto escalão da empresa se colocando à disposição para mostrar as irregularidades que estava denunciando e explicar as consequências deletérias do litígio com o pai. De acordo com o próprio Marcelo, esses litígios iam “muito além de causarem prejuízos ao réu e à sua família”. A briga estaria provocando um dano superior a 5 bilhões de dólares (26,5 bilhões de reais, em valores atuais) e atingiria não só as empresas, mas também a efetividade dos acordos de colaboração e leniência.

Essa guerra judicial dos Odebrecht, além de poder comprometer a credibilidade das informações prestadas pelos delatores, acabou expondo a tabela com valores dos pagamentos de indenizações previstos a 78 executivos-delatores. No documento, há uma relação de quanto cada colaborador recebeu da empreiteira para compensar a demissão e os valores das multas de cada um que foram quitadas pela companhia. Alguns condenados já estão de olho nessa possibilidade. O ex-presidente Lula, por exemplo, já pediu ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região a apuração da troca de acusações da família Odebrecht. Para Lula, “delações tomadas como verdade absoluta foram negociadas e calibradas de acordo com recompensa paga”. Isso, de acordo com o ex-presidente, compromete uma de suas condenações por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Em sua colaboração, Marcelo Odebrecht disse à Justiça que a empreiteira reformou um sítio em Atibaia a pedido da ex-primeira-dama Marisa Letícia e que abateu os custos da obra de uma conta de propina. Lula foi condenado a dezessete anos de prisão. “A venda de delações é cristalina”, afirma a defesa do ex-presidente. Evidentemente, há coisas bem mais cristalinas nas relações da Odebrecht com o poder. Amigo íntimo do ex-­presidente, a quem chamava de “chefe”, o próprio Emílio Odebrecht confirmou ter tratado da reforma do sítio diretamente com Lula numa conversa que os dois tiveram no Palácio do Planalto.

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Publicado em VEJA de 15 de julho de 2020, edição nº 2695

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