A fortuna e as polêmicas do bilionário do garimpo
Operação da PF expõe mais uma vez a atuação de Valdinei de Souza, o Nei Garimpeiro, que construiu um império baseado em mineração e relações políticas
No início de dezembro, a Polícia Federal e o Ibama desencadearam uma mobilização contra crimes ambientais que cumpriu dezenas de mandados de prisão e de apreensão em residências, empresas, depósitos e locais de mineração em seis estados e levou ao bloqueio de 1,1 bilhão de reais dos investigados. A Operação Hermes (Hg) visou uma organização criminosa de contrabando internacional de mercúrio que usava firmas de fachada para acobertar o comércio ilegal de mais de 2 toneladas do metal para garimpos ilegais de ouro. A ofensiva colocou de novo sob os holofotes o empresário Valdinei Mauro de Souza, o Nei Garimpeiro, que se tornou uma espécie de símbolo do avanço da atividade no Brasil. Apontado como um dos compradores do material contrabandeado, ele foi alvo da ação junto com a esposa, um genro e uma de suas empresas, a Salinas Gold Mineração. Segundo a PF, o esquema operava havia pelo menos dezesseis anos e os compradores tinham “total conhecimento” da origem ilícita do produto.
Nascido em uma família humilde de Nortelândia, a 200 quilômetros de Cuiabá, Nei não esconde quanto progrediu na vida. Nas redes sociais, posta imagens de ostentação, como a sua mais nova aquisição: um helicóptero ACH 145, o mesmo do jogador Neymar, que custa 50 milhões de reais. Ele também investiu 30 milhões de reais na compra de um aeroporto na cidade de Santo Antônio do Leverger, que é a principal pista de emergência do Aeroporto Internacional de Cuiabá, do qual fica 28 quilômetros distante. Lá, pretende erguer um complexo comercial e turístico, com resort e bar temático montado em um Boeing 737-275 desativado. Também postou garrafas de vinho caras, com rótulos que podem custar 20 000 reais.
A fortuna, estimada em mais de 1 bilhão de reais, veio principalmente da mineração. Ele é dono da Fomentas Mining Company, responsável pela gestão de três grandes mineradoras: a Salinas Gold, em Nossa Senhora do Livramento (MT), a Mineração Santa Clara, em Poconé (MT), e a Mineração do Pará, em Itaituba (PA). O empresário possui 1 700 hectares em permissões para lavra de ouro, o equivalente a 2 000 campos de futebol, em Mato Grosso. Também tem licenças para pesquisas — eufemismo legal que abre brecha para a mineração — em Comodoro (MT) e Jacareacanga (PA). Possui ainda empresas imobiliárias e de agropecuária em São Paulo, Goiás e Pará.
O patrimônio foi construído em meio a polêmicas. Ele teve 19 milhões de reais bloqueados na operação para reparar prejuízos causados por garimpo ilegal, desmatamento e assoreamento de rios. Segundo o MPF, Nei lucrou 33 milhões de reais com o ouro produzido com mercúrio ilegal. Ele também foi multado em 400 000 reais pelo Ibama em 2013 por “destruir florestas sem autorização” em Itaituba (PA) — o valor ainda não foi pago. Recebeu mais três autuações em 2006, em Poconé, que somam 39 000 reais, todas quitadas. A mineradora Santa Clara foi alvo do Ministério Público do Trabalho por coagir funcionários a votar em Jair Bolsonaro em 2022.
O apoio ao capitão não se limitou ao assédio de empregados. Em maio, ele participou de um almoço em Brasília com o presidente, empresários, lobistas e ruralistas para arrecadar recursos para a campanha — fez depois uma doação de 100 000 reais. O garimpeiro ainda deu 300 000 reais a deputados no MT neste ano e bancou, em 2020, mais de 60% da campanha de Valmir Climaco, prefeito de Itaituba, de onde saem 80% do ouro ilegal do país. Nei ainda tem a amizade do governador de Mato Grosso, Mauro Mendes (União), com quem adquiriu uma mineradora avaliada em 700 milhões de reais em 2014. A empresa passou a se chamar Maney Mineração, juntando as iniciais dos nomes dos dois amigos, que viraram réus por suposta fraude na compra — foram absolvidos em agosto. Em delação, o ex-governador Silval Barbosa, preso por corrupção, também disse ter mantido sociedade com Nei e Mendes em um garimpo.
Apesar de investigado e de uma lista considerável de indícios de irregularidades contra ele, Nei Garimpeiro se diz inocente. Afirma que comprou mercúrio de uma das empresas investigadas com a “certeza absoluta de que estava totalmente regularizado” e que “não existe dano ambiental por parte de nossas empresas, porque não garimpamos em beira de rio”. Sustenta ainda que tem todas as licenças legais vigentes e que as suas empresas geram mais de 1 000 empregos e já foram premiadas com boas práticas de mineração. Ele também parece estar confiante de que nada vai lhe acontecer. Cinco dias após a ação da PF, publicou uma mensagem no Instagram: “Nenhum mal me derruba, pois quem me guarda não me nega proteção”.
Nei Garimpeiro é um personagem eloquente de um filme em cartaz: o avanço da mineração ilegal. Segundo o instituto Mapbiomas, o garimpo teve em 2021 a maior expansão da história, incorporando 15 000 hectares. O fenômeno entrou na mira do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. “Não haverá mais garimpo ilegal. Não haverá mais mercúrio”, disse, ao lado de indígenas, em agosto. A primeira medida será revogar o Decreto 10.966/22, de Bolsonaro, que permitiu o “garimpo artesanal”, outro eufemismo para liberar a atividade. A última ação da PF pode ter sido, assim, apenas o preâmbulo de um cerco maior que se desenha no horizonte, mirando empresários como Nei Garimpeiro.
Publicado em VEJA de 4 de janeiro de 2023, edição nº 2822