A embaixada secreta
A nova representação diplomática da Venezuela funciona escondida em um quarto de hotel em Brasília
Sorridente, o presidente Jair Bolsonaro sussurrou ao ouvido da venezuelana María Teresa Belandria um pedido especial: “Posso te dar um abraço?”. A proposta foi feita na última terça-feira, momentos antes de María Teresa ser oficializada como embaixadora da Venezuela no Brasil. A cerimônia de entrega das credenciais, selada com o gesto carinhoso do presidente da República, reforça a decisão brasileira de reconhecer Juan Guaidó como o legítimo presidente da Venezuela, país que enfrenta uma enorme crise humanitária provocada pela ditadura bolivariana. Ao fim do evento, María Teresa desceu a rampa do Palácio do Planalto e, ladeada pelos Dragões da Independência, bradou um “Viva a Venezuela livre!”, entrou em um carro e partiu. Na sequência, todo aquele momento de pompa foi deixado para trás. Há quatro meses em Brasília, a nova embaixadora vive uma situação absolutamente incomum: não recebe nenhum salário, sustenta-se por meio de doações e utiliza a sala de um quarto de hotel como sede improvisada da diplomacia de Guaidó.
A capital federal abriga a Embaixada da Venezuela — a oficial — em um vistoso prédio cercado por grades e ornamentado por palmeiras-imperiais. O local, porém, está às moscas. Telefonemas não são atendidos, e-mails não são respondidos e há três anos nem sequer existe um embaixador no país. Em 2016, o ditador Nicolás Maduro determinou a volta de Alberto Castellar em protesto contra o impeachment de Dilma Rousseff. No lugar dele, ficou apenas um encarregado de negócios. Ainda assim, a nova embaixadora não pode nem passar perto da representação. Aos 55 anos, María Teresa, professora de direito, responde a um processo por traição à pátria. Por apoiar Guaidó e fazer oposição ao governo Maduro, ela também foi alvo de ameaças e, temendo sofrer um atentado, deixou o país em 2017. María Teresa afirma que, se voltar, será presa.
O Itamaraty mantinha em sua página oficial na internet, até a última quinta-feira, a Embaixada da Venezuela de Maduro como sede da representação diplomática, embora seja María Teresa Belandria quem, desde fevereiro, quando foi indicada por Guaidó, mantém relações formais com o governo, em especial com o chanceler Ernesto Araújo. A nova sede venezuelana permanece em segredo. VEJA esteve na embaixada improvisada: um flat de hotel, de 45 metros quadrados, divididos em um quarto, um banheiro e uma sala. Na tentativa de passar um ar oficialesco, uma pequena bandeira de mesa orna o ambiente. E só. Todo o aparato de trabalho é improvisado e fruto de doação. Computador, impressora, laptop e até mesmo uma sanduicheira para garantir a alimentação de María Teresa foram emprestados por conterrâneos que vivem no Brasil. A água potável fica num galão de 5 litros no chão, ao lado das duas malas usadas como guarda-roupas. Na mesma mesa de trabalho, a embaixadora tem aula de português duas vezes por semana e recebe parlamentares brasileiros e representantes de outros países. Até hoje, porém, nenhum venezuelano esteve no local. Por quê? Medo. María Teresa afirma que há, na capital no país, espiões de Cuba e da Rússia, e que, portanto, não pode manter as portas da “embaixada” abertas. Ela não conta com nenhum serviço de segurança.
“O local não é público porque não saberíamos se seria um cidadão de bem precisando de ajuda ou um venezuelano do regime de Maduro vindo a serviço da inteligência”, afirma, pedindo que não se divulgue o endereço do flat. “Os hotéis são os lugares mais inseguros do mundo. Qualquer um pode, por exemplo, alugar o apartamento ao lado e escutar as conversas que eu tenho, pode tirar fotos de quem entra e sai, pode enviar pessoas como se fossem funcionários da limpeza para olhar os documentos. Não é uma fantasia e não é uma novela de espionagem. O braço da ditadura é muito grande. Eu tenho de desconfiar de todo mundo”, explica, num emaranhado de preocupações típicas de quem conheceu a realidade de um Estado totalitário.
O governo Maduro, de fato, teria motivos para tentar monitorar a atuação de María Teresa. Ela mantém contato quase diário com o presidente interino Juan Guaidó e, além disso, constantemente recebe informações da situação de seu país e sobre os refugiados que escapam da ditadura bolivariana através de Pacaraima (RR), a cidade brasileira que faz fronteira com a Venezuela. Os relatos são devastadores: narram o assassinato de indígenas, a tortura de estudantes, a morte de crianças por falta de atendimento médico, a cobrança de propina por parte da Guarda Nacional e de militares do Exército e a extrema pobreza que atinge a população. “No meu país, tornou-se comum as pessoas juntarem as sobras de seus pratos nos restaurantes. Elas sabem que, do lado de fora, há um monte de gente esperando para comer. Aqui, as pessoas não dimensionam o que é a nossa tragédia”, conta. Tal tragédia, ela lamenta, ainda não tem data para acabar. “Não se sabe quando nem como termina uma ditadura de vinte anos, mas sabemos que não é em quatro meses. Processos políticos exigem tempo.” Até lá, o jeito é improvisar.
Publicado em VEJA de 12 de junho de 2019, edição nº 2638
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