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Walcyr Carrasco

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Santo nome em vão

Da vida sexual às eleições, espera-se que o Altíssimo resolva tudo

Por Walcyr Carrasco Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 13h22 - Publicado em 23 jul 2021, 06h00

O senso comum costuma acreditar que “não cobiçarás a mulher do próximo” é um dos mandamentos mais desrespeitados. Sem dúvida, mesmo porque a mulher do próximo também conquistou o direito de cobiçar o parceiro da próxima, e até mesmo a mulher do outro. Mas, de todos, o mais desrespeitado com certeza é “não usarás o Santo Nome de Deus em vão”. Se a divindade fosse tão vingativa como apregoam, já teria nos explodido, tal como fez com Sodoma e Gomorra. Fala-se de Deus o tempo todo. De Jesus Cristo, Seu filho. Entre evangélicos e católicos. Os últimos ainda recorrem à Virgem Maria e a um exército de santos. Segundo se acredita, Deus criou o mundo, as estrelas, o universo e até se encarregou de definir as listras das zebras, tal sua perfeição. Após descansar um só dia, o sétimo, repentinamente é invocado para cuidar do comprimento da saia das mulheres! Como Deus não parece tratar diretamente de costura, um exército vocifera em seu nome, gritando que Deus proíbe isso, proíbe aquilo. Jesus Cristo se deixou pregar na cruz para salvar a humanidade. Agora vê-se obrigado a ajudar com as prestações de eletrodomésticos quando os fiéis descobrem que gastaram demais? Nada para Deus é impossível. Nem para Cristo, Seu filho. Mas deve cuidar de montanhas-russas que emperram, cachorro bravo (ai, meu Deus!) e, claro, da vida sexual de cada um? Por que Deus estaria preocupado com quem alguém vai para a cama, para castigar eternamente?

“Deus não deu alvará a ninguém para falar em seu nome. Mas falam, falam… Quem respeita?”

Além de não darem descanso ao Pai e ao Filho, há os que correm atrás de milagres e intercessões da Virgem Maria. A Virgem, como se sabe, tem diversas aparições pelo planeta, onde ocorrem milagres. Quando escrevi a novela A Padroeira, da Globo, e depois o musical Aparecida, estudei muitos dos pedidos a ela endereçados. Um número enorme de penitentes implorava por consulta médica, entrevista de emprego, vaga em escola. Ou seja, pelo que o governo deveria fazer e não faz. A nossa querida Nossa Senhora Aparecida era obrigada a cuidar de políticas públicas! Mas não é assim? O que o Estado não faz, só um milagre pode resolver. E os santos? Na crença popular, pendura-se Santo Antônio de cabeça para baixo para conseguir marido. Até como Tinder o santo tem de funcionar?

Já estamos em plena campanha eleitoral. O número de corruptos que falará em nome de Deus e da família será absurdo. Se falam por Deus, não seria melhor deixarem de roubar? Até mesmo o cargo máximo brada um “Deus acima de tudo”. Sinceramente, ainda vão culpar Deus por essa barafunda toda!? Vão jogar tudo nas costas do Altíssimo? Os preços sobem, tudo custa e, quando pergunto, dizem que “estamos nas mãos de Deus”. Ou que “Deus vai ajudar”.

Que eu saiba, Deus não deu alvará a ninguém para falar em seu nome. Mas falam, falam… Quem respeita? Em sua Eterna Sabedoria, Ele já deve estar consciente de que Seu nome estará no centro das eleições. Com a difícil tarefa de capturar votos até para verdadeiros capetas.

Publicado em VEJA de 28 de julho de 2021, edição nº 2748

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