Está antenado com a linguagem neutra? Há tempos surgiu um movimento para eliminar a distinção entre masculino e feminino do português. Argumenta-se que, hoje, a linguagem não abarca os diversos gêneros. Somente os binários (homem ou mulher). A questão de gênero mobiliza. Para muitos esse tema ainda é surpreendente e misterioso. Há quem não se sinta nem “ele” nem “ela”. No país, há possibilidades legais que muita gente nem conhece. Mas, se um sujeito barbudo se sente mulher, ele pode perfeitamente requerer documentos femininos. Consegue. Está certo. O corpo é dele. O gênero também é. Mas há pessoas que não se identificam nem em ser “ele” nem “ela”, mas fluidos (fluides). Nem homem nem mulher, como tradicionalmente. Sei que é difícil para muita gente entender. Tudo bem, não precisa entender. Só aceitar. É a vida deles, não é? Recentemente vi o programa do RuPaul, Drag Race, em sua última temporada. Uma das concorrentes era uma pessoa que nasceu com o sexo feminino, fez a transição para o corpo masculino, mas competia como drag. Difícil classificar por quem foi criado em um mundo tradicional. Mas o mundo muda.
Os movimentos não binários e LGBTQIA+ e outros que discutem questões de gênero criaram o pronome “ile”. Não é ele nem ela. Lutam pela troca do “a” ou do “o” finais pelo “e”, que não define gênero. Não há mais “amigo”. Mas “amigue”. “ E assim por diante.
“Se a sociedade quiser falar e escrever em gênero fluido, não há lei que consiga impedir”
Antes do “e”, houve uma tentativa de terminar com “x”. Tipo “queridx”. Ficou difícil para transmitir em linguagem de libras, por exemplo. O “e” é mais democrátique, cabe em todes es palavres (uau, consegui fazer uma frase!). De fato, o “e” satisfaz a todos os gêneros. Bem… Não a todas as pessoas. O governo de Santa Catarina, no ano passado, proibiu a linguagem neutra nas escolas. No Congresso, o Projeto de Lei 5198/20 quer proibi-la em todo o país. Como se a linguagem neutra fosse perigosíssima para as crianças. Uma bobagem. Em compensação, a nova linguagem está sendo defendida na internet pelo Instagram @generofluidobr, por exemplo. Também em manifestos, lives… É o futuro!
Eu já passei por várias reformas ortográficas, nem sei mais exatamente qual é a acentuação correta. Na minha juventude termos como “careta” e “caretice” eram aplicados a quem não fumava maconha. Foram se transformando e hoje, no coloquial, aplicam-se a conservadores, avessos a novidades, travados. A linguagem muda, evolui. Se a sociedade sentir a necessidade de falar e escrever em gênero fluido, não há lei que consiga impedir. Mudanças de linguagem são assim: começam em um grupo, e permeiam outros. Não foi assim com o polido “vossa mercê”, que virou “vosmecê” e agora é o coloquial “você”?
Lindes, modernes, bonites… Muito jovem já fala assim. Minha intuição é que a linguagem neutra vai pegar. Na minha próxima série/novela, Verdades Secretas 2, já tenho uma personagem com esse novo jeito de falar. Representa os não binários. A mudança é como o metrô. Quando para na estação, o artista deve embarcar.
Publicado em VEJA de 30 de junho de 2021, edição nº 2744