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Supercombo e a arte de dizer não

O grupo capixaba lança 'Adeus, Aurora' disco difícil e que me fez lembrar de casos nos quais a integridade artística falou mais alto do que o hit do verão

Por Sérgio Martins Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 24 set 2019, 14h03 - Publicado em 23 set 2019, 17h31

Semanas atrás eu participei do Hacktown, evento de música e tecnologia que acontece anualmente na cidade mineira de Santa Rita do Sapucaí. Foram duas participações. Uma delas foi a conversa com o Supercombo, grupo capixaba radicado em São Paulo. São um dos melhores talentos do rock nacional, este gênero exótico cujo espaço nas rádios está cada vez mais rarefeito. Léo Ramos (guitarra, vocais), Pedro “Toledo” Ramos (guitarra), Carol Navarro (baixo), André Dea (bateria) e Paulo Vaz (teclados) têm influências do rock inglês da segunda metade dos anos 90 – Radiohead por exemplo – e pelo Tame Impala, banda australiana com um pé na psicodelia. A sonoridade do quinteto forra letras que tratam de temas como suicídio, depressão e inadequação social e ocasionais imbroglios amorosos. O grupo tem cinco álbuns sendo que três são de qualidade musical inquestionável: Amianto (2014), Rogério (2016) e Adeus, Aurora, lançado no ano passado apenas em formato digital e como revista em quadrinhos (que transformam em histórias algumas das principais letras do quinteto). Embora a conversa tenha gerado tópicos interessantes sobre música e mercado – artistas que admiram, o know how dos sertanejos na indústria de shows, etc – foi a postura do quinteto que me deixou impressionado. O Supercombo é uma banda que sabe dizer não, qualidade que anda em falta no mercado.

Todo músico quer ser bem-sucedido. No mínimo, viver dignamente das canções que criou, produziu e divulgou. A diferença está na maneira em atingir esse objetivo. Me lembro de um ensinamento do produtor baiano Roberto Sant’anna para Fafá de Belém no qual ele dizia que ter uma carreira para se orgulhar é muito mais importante do que fazer sucesso. Eu concordo. Pela execução fácil nas rádios, visualizações no YouTube e topo dos streamings nas plataformas virtuais, muita gente muda radicalmente a sua proposta sonora. Ganha admiradores com a mesma velocidade com a qual adquire novos adeptos. Mas sempre paira no ar a dúvida se essa mudança terá fôlego suficiente para novos lançamentos ou o artista ficará restrito à plataforma de hit esquecível do verão. Durante a conversa, lembrei de dois casos de bandas que não abriram mão de seus princípios. Os Raimundos, no início dos anos 90, foram convidados para integrar o cast de uma gravadora multinacional. Durante uma reunião com o assessor do diretor artístico da companhia, este sugeriu que a banda mudasse o visual e atenuasse o palavrão de suas canções. Ora, eram exatamente as duas características que os tornaram famosos! Os roqueiros então se levantaram da mesa onde acontecia a reunião e foram para o selo independente Banguela, pode onde lançariam seu celebrado disco de estreia, em 1994. O Skank foi outro grupo que disse não. O primeiro disco deles, lançado de forma independente em 1993, foi comprado por uma gravadora multinacional. Foi bem de vendas, mas o resultado era modesto para quem estava acostumado a ter em seu cast artistas que vendiam milhões. Para o segundo disco, eles receberam todo tipo de aconselhamento. De produtor consagrado a cover de sucesso de Jorge Ben Jor. O Skank disse não. E ainda falou da pressão que sofreu numa entrevista dada para mim, na extinta revista BIZZ. O diretor artístico da companhia não gostou da atitude da banda, muito menos da matéria: durante um almoço com o empresário do grupo, Fernando Furtado, ele levou no bolso um exemplar da BIZZ e disse que lembraria das frases do Skank caso o disco não tivesse vendas expressivas. Calango (1995), o tal álbum, vendeu mais de 1,5 milhão de cópias e para mim é a mais bem-sucedida compilação de canções da carreira do Skank. Eles acertaram ao confiar na força de seu repertório.

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O Supercombo passa por outros tipos de desafios. A indústria fonográfica não é mais a mesma e usa do poder que possui em gêneros musicais que tragam uma rentabilidade maior, como sertanejo e funk. O quinteto optou também por não assinar com uma grande gravadora porque gostaria de ter liberdade sobre o (bom) material que produz. A discussão, no caso deles, foi com o empresário. Ele achou que as canções de Adeus, Aurora, não eram tão vendáveis como o restante do material do grupo. Sinceramente? Ambos estão certos. O último lançamento é denso e sem o apelo radiofônico de Rogério, o álbum anterior. Por outro lado, a banda está certa em apostar na qualidade do material.

O dizer “não” tem a ver mais com os critérios artísticos e estéticos do que birras ou politicagem.  Marisa Monte já se recusou a ir a determinados programa de televisão porque não conseguiria se apresentar ao vivo – que ela acha determinante para a apreciação de sua música. Certas bandas ou cantores, no entanto, se recusam a falar com determinados veículos em nome de uma agenda política ou antipatia com este ou aquele jornalista. É algo que vejo desde os meus tempos de BIZZ (e lá se vai um quarto de século), mas que se acirrou nos últimos anos devido às discussões sobre política. De novo, cabe ao artista decidir o que é melhor para a construção de sua carreira. Nesses casos, porém, me fio na frase de Roger Steffens, biógrafo de Bob Marley. “Ele falava tanto com a extrema esquerda quanto com a direita raivosa. Porque a mensagem dele era mais importante do que as crenças políticas dos jornalistas”. O Supercombo, ao lado do Scalene (outra banda importante no cenário roqueiro nacional) participou de uma das edições do Popstar, uma espécie de show de calouros gourmet da Rede Globo. E nunca abriu mão de suas convicções artísticas e musicais.

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É importante, antes de tudo, que o “não” de um artista venha embalado por uma música consistente. Qualidade que o Supercombo tem de sobra. Adeus, Aurora, não é disco para se escutar na caminha matinal – acreditem, tentei fazer isso e não funcional. É um álbum que pede uma audição cuidadosa, de preferência com fones de ouvido. Aparato ideal para se deliciar com O Guerreiro e a Selva e 2 em 1, faixas de início carinhoso e que depois explodem ao som de guitarras, ou o reggae Parafuso a Menos. É hora de dizer sim para a banda que sabe dizer não.

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