“O Brasil não terá apagão de caixões”, diz diretor de empresas funerárias
Lourival Panhozi nega escalada de lucro, fala da saúde de funcionários do setor e retira apoio a Jair Bolsonaro
Não existe risco de apagão de caixões no Brasil, as empresas funerárias não estão faturando mais, há uma norma para reduzir o valor das urnas para vítimas de coronavírus e o apoio ao presidente Jair Bolsonaro foi sepultado com a frase “e daí?”. Com resiliência e tristeza, o empresário Lourival Panhozi avalia o setor diante da escalada do número de mortes por coronavírus no país. O presidente da Associação Brasileira de Empresas e Diretores do Setor Funerário tem dezoito funerárias no interior de São Paulo e emprega diretamente 180 funcionários.
O setor de agentes funerários tem faturado mais com a pandemia? Não. Em primeiro lugar, a nossa associação recomenda a redução de 40% do valor da urna quando a razão da morte é o coronavírus. O Brasil é um país continental, cada região tem um impacto diferente. Em zonas quentes, como Manaus e Belém, sim, há quatro vezes mais gente morrendo. O Rio de Janeiro tem visto um maior número de mortos também. Mas essa não é a realidade do interior de São Paulo, por exemplo. Eu tenho dezoito agências funerárias e sigo com a mesma média de serviços por mês: entre 380 e 400. Mas o negócio vai além das urnas.
Explique melhor. Com o protocolo atual, não existe mais velório. Então acabou uma série de serviços, como a tanatopraxia (maquiagem em defuntos) e coroas de flores. É errado, portanto, dizer que estamos faturando mais. A Organização Mundial da Saúde diz para manter alguma despedida simbólica. O enterro sem ritual vai causar impacto psicológico e criar um desalento muito grande. Em Manaus, onde a questão está nas mãos de serviços públicos ineficientes, a situação é pior: não se sabe ao certo onde fica a cova de cada um.
Há risco de funcionários do setor se contaminarem? O risco existe pela aglomeração e contato com os parentes, que nem sempre fizeram testes. Não há risco no manuseio do corpo. Já no leito hospitalar se dá uma medida de contenção do vírus, onde é colocado o primeiro invólucro no corpo. Na funerária, a urna é higienizada e ocorre um segundo invólucro.
O Brasil pode sofrer um apagão de caixões? Não há esse risco. Os fabricantes estão produzindo 30% a mais urnas por mês e, além disso, os agentes funerários têm estoque. Agora, é uma situação triste. As pessoas estão morrendo ao lado de médicos, mas sem receber assistência médica. O profissional muitas vezes está ali para assinar o atestado de óbito, já que não há respiradores nem estrutura. O sistema de saúde é péssimo há muitos governos.
Como o senhor avalia a gestão de Jair Bolsonaro durante a pandemia? Vou fazer uma confissão: eu votei no Bolsonaro, mas retirei meu apoio no dia em que ele falou “e daí?” quando questionado sobre o número de mortos que havia ultrapassado a China. Eu já perdi pai, esposa, primos. Não se fala uma coisas dessas. Se fosse um funcionário meu falando “e daí?” eu mandaria embora na hora, mas não tenho como demitir um presidente. O Bolsonaro costuma enumerar seus filhos, colocar escala de prioridade… gostaria de saber qual é o meu número para ele. Eu tenho orgulho do meu trabalho. Meu pai já era funerário. Tentamos manter o mínimo de dignidade para as pessoas se despedirem de seus entes queridos. Falar “e daí? foi a pior coisa que já ouvi de um presidente.