As demissões de 150 funcionários na semana passada pela Rede Globo foram seguidas por mudanças contratuais já iniciadas ao longo do ano: redução dos salários e do sistema de remuneração do alto escalão. Na sexta, foi a vez do trio de diretores Dennis Carvalho, Denise Saraceni e Rogério Gomes, o Papinha, terem seus salários reduzidos e deixarem de ser PJ para receber pelo sistema CLT. Cerca de 50% da remuneração dos três foi cortada — Carvalho faturava 400 000 reais e Papinha e Saraceni, 250 000.
Essas mudanças são uma correção de rota. A alucinação de pagamentos altíssimos começou sob a gestão de Marluce Dias, diretora geral da emissora entre 1998 e 2002. Vinda inicialmente do Mesbla, ela decidiu criar uma série de núcleos na emissora — tal qual um grande magazine. Diretores e autores passaram a competir entre eles, tanto pela audiência, à época batendo na casa dos 50 pontos no Ibope, quanto pela receita milionária do mercado publicitário.
A saída de Marluce para tratar de problema de saúde foi ainda mais dramática do ponto de vista artístico e dos gastos da empresa. Assumiu Octávio Florisbal, que colocou Manoel Martins como Diretor de Entretenimento — e aprofundou os gastos com a folha de pagamento. A gestão de Martins ficou marcada por turbinar ganhos com distribuição de bônus e lucros de acordo com o faturamento de produtos como novelas e séries. As receitas vinham de cotas de patrocínio, merchans e vendas para o mercado externo. A emissora aumentou a competição interna e a remuneração de seus diretores e autores enquanto enfrentava uma crise na teledramaturgia tradicional (a novela Babilônia é um grande exemplo), além do surgimento do streaming.
Em 2013, Carlos Henrique Schroder sucedeu Florisbal e começou a fazer mudanças que resultaram na retomada na qualidade da dramaturgia, além de ter tirado Martins de seu posto (ele se aposentou). Uma decisão acertada foi a de dar ao autor Silvio de Abreu a missão de coordenar e aprovar todo conteúdo de novelas e séries. Com o cargo de Dramaturgia Diária, Abreu torna-se responsável pela concepção artística, planejamento de criação e coordenação de todas as novelas e minisséries da emissora – vale desde a elaboração da sinopse até a aprovação de cenário. Como em qualquer empresa, nem todo mundo ficou contente. Miguel Falabella, por exemplo, ficou possesso por não ter suas concepções aprovadas.
OUTRO LADO
Procurada, a Rede Globo informa que possíveis mudanças de salários e sistema de pagamento trata-se de algo “pessoal, sigiloso e de interesse apenas das partes”. Após publicada essa matéria, a Globo enviou o seguinte comunicado: “Não procedem as informações. Como todos sabem, há mais de cinco anos, temos tomado uma série de iniciativas para preparar a empresa para os desafios do futuro. Com isso, temos evoluído nos nossos modelos de gestão, de criação, de produção, de negócios e também de gestão de talentos. Em sintonia com as transformações pelas quais passa nosso mercado e com as novas dinâmicas de parceria da Globo com os seus talentos, estamos revendo modelos de contrato para atividades estratégicas nas múltiplas plataformas das empresas Globo, em comum acordo e sem prejuízo para nenhuma das partes.”