Com Bolsonaro, o agro não é pop
As entidades agrícolas precisam denunciar os criminosos que ateiam fogo no Pantanal e na Amazônia
Nos últimos anos, o setor agropecuário está realizando o que em publicidade se chama de ‘reposicionamento de marca’. A imagem equivocada de um ramo atrasado foi substituída pelo reconhecimento do enorme avanço científico na produtividade, a reputação das dívidas nunca pagas foi trocada pela potência de corporações globais como a JBS e a BRFoods e a vergonha internacional do desrespeito ao meio ambiente enfrentada com a moratória da soja, o acordo de 2006 pelo qual os produtores se recusariam a comprar grãos de área desmatada.
O símbolo da nova roupagem foi a campanha da TV Globo, que desde 2016 afirma que “Agro é tech, agro é pop, agro é tudo”. É dos melhores projetos publicitários da TV brasileira. Mostra como o setor, rebatizado como no nome marqueteiro de agro, investe pesado em ciência para desenvolver cultivares, corrigir solos e ampliar a produção. O agro também é “tudo”, não apenas produz alimentos, mas domina uma cadeia industrial de alta qualidade. E o agro seria pop, pela geração de riqueza para mais da metade do país. Numa comparação simples: neste ano de pandemia, o PIB brasileiro deve cair entre 5% e 6%, enquanto o setor agropecuário vai crescer entre 2% e 3%.
Tudo lindo, até chegar Bolsonaro. A política bolsonarista de incentivar as queimadas e o desmatamento na Amazônia e no Pantanal é a maior campanha de destruição do meio ambiente desde os anos 1970, quando o regime militar subsidiou empresas para substituir o “inferno verde” da Região Norte por pastos de gado nelore. Em vinte anos, o Brasil desmatou o equivalente ao tamanho de uma França, mais da metade sem nenhuma produção econômica.
Apoiados pela leniência do governo Bolsonaro, agricultores estão invadindo parques nacionais, terras indígenas e florestas protegidas. As queimadas na Amazônia e no Pantanal não são resultado da secas ou do acaso. São agricultores que estão entrando na floresta, tirando as árvores mais preciosas e ateando fogo sobre o resto. Nada disso é tech, nem pop, nem tudo.
Cresci em uma fazenda no interior do Paraná sob o temor de que a geada pudesse levar minha família à falência (levou três vezes, aliás). Quando adolescente, meu pai me deu um conselho, “não entregue o seu destino aos caprichos da chuva”, ou seja, se afaste da agricultura. Eram tempos sem seguro agrícola e cada safra fazia a diferença entre pagar ou atrasar a mensalidade escolar.
Nesse meio tempo, a agricultura brasileira atravessou uma revolução. A estatal de tecnologia agrícola Embrapa aprimorou sementes, corrigiu solos e formou uma nova geração de agricultores. Com a abertura do mercado internacional a partir dos anos 1990 e, principalmente, da China nos anos 2000, o agro estava pronto para ser tech, pop e tudo.
Mas esse avanço e a própria campanha na TV são insustentáveis com a destruição consentida da principal reserva florestal do planeta. Se as entidades agrícolas se dizem modernas e as grandes corporações pretendem abrir novos mercados precisam se diferenciar dos que estão assediando a Amazônia. Ao não denunciar abertamente os agricultores criminosos, o Agro mistura joio com trigo. Vão colher joio.