Bolsonaro já tem o discurso para o autogolpe
Governo acusa STF e TSE de 'esticarem a corda' para justificar intervenção
Existem duas hipóteses para Jair Bolsonaro permanecer na Presidência a partir de 1º de janeiro de 2023. A primeira é vencendo as eleições. Não é impossível, mas está difícil. Três de cada cinco brasileiros se recusam a votar em Bolsonaro em qualquer circunstância. Depois de quase 600 mil mortos por Covid, botijão de gás a R$ 100, litro de gasolina a R$6,3, o quilo do feijão a R$10 e a instalação de uma quadrilha no Ministério da Saúde, Bolsonaro perde até para o Zé da esquina nas simulações de segundo turno.
Virar esse jogo dá trabalho. Bolsonaro governa com a premissa de que “a culpa não é minha” e é copiado pelos ministros. Daí vira um jogo de empurra onde a responsabilidade pelas mortes por coronavírus passa a ser do Supremo Tribunal Federal, a falta de vacinas é culpa da CPI da Covid, a alta da gasolina passa a cair na conta dos governadores, o descontrole da inflação vira um fenômeno mundial e o eminente apagão de energia um problema meteorológico.
Os ministros não assumem nada e gastam mais tempo brigando com os fatos do que tentando solucioná-los. Supor que nos próximos doze meses o governo Bolsonaro irá, por mágica, passar a construir ao invés de bater boca requer uma certa dose de otimismo.
A questão é que se o governo Bolsonaro não mudar, vai perder as eleições. O discurso de 2018 (anticomunista, contra o establishment e pelos valores cristãos) ainda seduz milhões de brasileiros, incluindo consultores de bancos, mas não faz 51% nas urnas. Ponto.
Daí vem a segunda opção para Bolsonaro permanecer no poder: um autogolpe. Também não é simples, especialmente quando o governo é considerado como ruim e péssimo por mais da metade da população. Mas a cada semana, a cada nova intimidação à Justiça e, agora, ao Senado, Bolsonaro parece estar transformando o autogolpe em uma carta na manga natural caso perca as eleições.
O raciocínio bolsonarismo para endurecer o regime foi captado nesta entrevista do líder do governo Ricardo Barros aos repórteres Julia Chaib e Ricardo Della Coletta, da Folha:
“Existe o risco de Bolsonaro não reconhecer o resultado das eleições em 2022?”
Ricardo Barros: “Não sei, vamos ver até o ano que vem. Tem muita coisa para acontecer até lá.”
“Seria algo muito grave.”
Barros: “Mas isso é uma possibilidade que o TSE deveria ter ponderado quando quis mostrar força, pressionando os partidos para vencer a votação no Congresso Nacional.
As falas de Bolsonaro sobre seu apoio entre os militares e a tese das Forças Armadas como poder moderador não são formas de o presidente esticar a corda da crise?
Barros: “Quem está esticando a corda é o STF. O presidente Bolsonaro está fazendo o que sempre fez, ele não mudou. Há uma clara intenção do Supremo em esticar a corda com Bolsonaro, são decisões sucessivas e frequentes. A prisão do Roberto Jefferson agora é mais uma. Não vamos fazer de conta que o problema não existe. Ele existe, está instalado há muito tempo. Agora, vamos ver até onde isso vai”.
“Até onde pode ir?”
Barros: “Não sei, cada um sabe o que está fazendo e deve medir as consequências e os riscos. Os presidentes da Câmara, do Senado, da República, do STF e do TSE. Todos têm que medir os passos que estão dando. Não venham querer cobrar só do presidente Bolsonaro”.
O argumento de que o STF e TSE estão “esticando a corda” e que Bolsonaro está apenas reagindo vem sendo repetido por todos os ministros do governo nos últimos dias, de militares como os generais Braga Neto e Augusto Heleno à civis como Fabio Faria e Paulo Guedes. E a resposta que eles dão quando se pergunta qual pode ser essa reação do presidente é sempre a mesma do líder Ricardo Barros: “cada um sabe o que está fazendo e deve medir as consequências e os riscos”.
Bolsonaro tem a seu lado 230 deputados que votaram pelo golpe do voto impresso, uma dúzia de governadores (incluindo Rio e Minas), parte majoritária do Alto Comando do Exército, grande parte das Polícias Militares, a PGR, a Polícia Federal, os principais líderes evangélicos e quase todo o agro, mas tudo isso junto e misturado ainda é a minoria. Nas circunstâncias atuais, o golpe seria uma quartelada que terminaria com todos presos. Mas até 2022, não se sabe.
Hoje as oposições ao governo Bolsonaro_ de Luiz Inácio Lula da Silva a João Doria, de Ciro Gomes a Gilberto Kassab, do STF à parte sã da mídia _ seguem achando que o jogo é apenas eleitoral, que basta ter 53 milhões de votos para defenestrar Bolsonaro do Palácio do Planalto. É um grave erro de avaliação. Se Bolsonaro achar que é mais fácil permanecer no poder via um autogolpe do que pelas eleições, não tenha dúvidas do que ele vai escolher.