A decisão da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal de retirar a delação premiada do ex-ministro Antonio Palocci em um dos casos contra Luiz Inácio Lula da Silva gerou um buzz sobre a possibilidade de anulação de todos os processos envolvendo o ex-presidente. Por este raciocínio, haveria a chance de o Supremo aceitar o pedido de defesa de Lula de parcialidade do ex-juiz Sergio Moro e devolver todos os casos para a estaca zero. Ato contínuo, o buzz evoluiu para a possibilidade de que, livre das condenações, Lula possa ser candidato a presidente em 2022.
Vamos por partes.
Hoje está evidente que Sergio Moro liberou a divulgação do depoimento com as acusações de Palocci contra Lula na semana da eleição com intuito de prejudicar o PT. Os dados principais da delação já haviam sido divulgados pela Lava Jato meses antes e a única função da liberação foi reafirmar que o PT era corrupto. Moro abusou das suas prerrogativas e foi recompensado com o Ministério da Justiça e a promessa de indicação para uma vaga no STF. Ele acreditou porque quis.
O julgamento sobre a suspeição de Moro está 2 x 0 a favor do ex-juiz, mas os dois próximos ministros a votar — Gilmar Mendes e Ricardo Lewandoswki — indicaram que empatarão a disputa. Resta o voto decisivo do ministro Celso de Mello, com histórico de discordar tanto dos métodos do PT quanto dos de Moro. É um voto imprevisível, mas com prazo. Celso de Mello obrigatoriamente irá se aposentar e para o seu lugar o presidente Jair Bolsonaro irá indicar seu primeiro ministro no STF.
Uma eventual punição a Moro, no entanto, não altera dois outros processos envolvendo Lula. O do sítio de Atibaia, no qual Lula foi condenado pela juíza Gabriel Hardt, e o do Instituto Lula, que está em andamento com o juiz Luiz Antonio Bonat. É natural, no entanto, que se vencer no primeiro caso, a defesa de Lula trabalhe para anular também ambos outros dois processos.
Existe, portanto, a possibilidade de que antes das convenções de 2022 Lula esteja sem condenações e com os seus direitos políticos restabelecidos. A hipótese, no entanto, é pequena.
O que não é pequeno é o potencial político de uma anulação da primeira condenação de Lula. Ela devolveria ao ex-presidente o discurso da injustiça, da parcialidade da sua prisão e da conspiração para tirá-lo da última eleição.
Como o PT é um partido Lulacêntrico e está perto de sofrer mais uma derrota retumbante nas eleições municipais, é provável imaginar uma repetição da montagem de 2018. Dois anos atrás, o PT fingiu que Lula poderia ser candidato tendo Fernando Haddad como vice, segurando o eleitor fiel em suspense até a última decisão judicial de setembro, confirmando que um condenado em segunda instância não tinha direitos políticos. Deve-se lembrar que, sob alguns aspectos, a tática de 2018 deu certo. O PT elegeu 56 deputados federais e levou Haddad ao segundo turno. Aí a porca torceu o rabo. O Lulacentrismo do PT destruiu qualquer chance de Haddad ampliar sua base no segundo turno e ainda hoje isola o partido de antigos aliados.
Neste momento, a tática de ressurgir o discurso de uma candidatura Lula serviria para o PT impedir o surgimento de alternativas à esquerda, sejam nomes velhos como Ciro Gomes, sejam novos como Flávio Dino. É uma tática que pode ajudar a reeleger muitos deputados federais, mas tem um erro original: dona Maria pode ter boas lembranças do governo Lula, mas está mais preocupada com os seus problemas e as injustiças da sua vida do que os problemas e as injustiças da vida de Lula.
A eventual volta do Lula-lá surge em um momento delicado para o PT. Como reconheceu em entrevista ao jornal O Globo, o cientista político André Singer, o Auxílio Emergencial pode tomar do PT parte dos eleitores conquistados pelo Bolsa Família. “Este momento seria o começo de alguma coisa que, caso se desenvolva bastante, poderia, sim, ameaçar o lulismo. Mas é preciso fazer todos esse condicionamentos porque esse não é um processo dado. Dependendo de como o governo Bolsonaro levar adiante, poderia hipoteticamente ameaçar o lulismo”.
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Clique e AssineSe o governo Bolsonaro adotar uma política econômica, que nunca esteve presente nos seus planos, de reativação da economia por baixo, aí sim não há dúvida de que pode haver um novo realinhamento. Neste momento, é visível o esforço do governo em encontrar dinheiro pra fazer alguma coisa, o que já é uma novidade, porque esse governo nunca havia se preocupado com as camadas mais pobres”, analisou Singer, autor de dois livros essenciais da política recente “Os Sentidos do lulismo” e “Lulismo em Crise”.
Ressuscitar a possibilidade da volta de Lula, portanto, é mais do que uma hipótese jurídica. É uma alternativa de discurso que o PT vai ter para tentar sobreviver a uma derrocada nas urnas nas eleições municipais e na sua principal base eleitoral, os mais pobres.