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Thomas Traumann

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Thomas Traumann é jornalista e consultor de risco político. Foi ministro de Comunicação Social e autor dos livros 'O Pior Emprego do Mundo' (sobre ministros da Fazenda) e 'Biografia do Abismo' (sobre polarização política, em parceria com Felipe Nunes)
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A nova cortina de fumaça de Bolsonaro

O presidente defende o movimento antivacina para evitar perguntas incômodas

Por Thomas Traumann Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 7 set 2020, 11h41 - Publicado em 2 set 2020, 16h12

Em 1º de outubro de 1904, o presidente Rodrigues Alves fez publicar lei que instituía a obrigatoriedade da vacina contra varíola no Brasil. Depois de quatro meses de debates no Congresso _onde a vacina foi chamada de “obscena” por obrigar as mulheres a mostrar seus braços desnudos para os sanitaristas _ Rodrigues Alves assinou texto pelo qual a partir do sexto mês todos os brasileiros deveriam se vacinar. O idealizador da campanha pela vacina, o médico Oswaldo Cruz, decretou que quem não se imunizasse seria impedido de realizar a matrícula em escolas, ter vínculo empregatício formal, votar, viajar e casar. Houve uma revolta popular instigada por políticos populistas e uma tentativa de golpe militar contra o presidente.

Em 1º de setembro de 2020, o presidente Jair Bolsonaro fez circular através dos canais oficiais da Secretaria de Comunicação Social (Secom) a sua frase “ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina”. A afirmação veio em resposta a uma seguidora, que se disse farmacêutica, e defendeu a proibição da vacina contra a Covid-19 por considera-la “perigosa”. No seu post, a Secom afirmou que o governo “estabeleceu parceria e investirá na produção de vacina, mas impor obrigações definitivamente não está nos planos”. É mentira.

O governo pode, sim, obrigar os cidadãos a se vacinarem contra a Covid-19 assim que o imunizante estiver pronto e aprovado segundo uma lei assinada pelo… presidente Jair Bolsonaro. Em 6 de fevereiro de 2020, Bolsonaro editou texto sobre o combate ao coronavírus prevendo a “realização compulsória de vacinação e outras medidas profiláticas” e alertando que “as pessoas deverão sujeitar-se ao cumprimento das medidas previstas neste artigo, e o descumprimento delas acarretará responsabilização, nos termos previstos em lei”.

O artigo 268 do Código Penal, por exemplo, prevê detenção de um mês a um ano, e multa para quem “Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”. A legislação também é clara na obrigatoriedade da vacinação infantil, incluindo a possibilidade de exclusão do programa Bolsa Família aos pais que não apresentarem carteira de imunização dos filhos.

O programa de imunização do Brasil é um modelo mundial. Depois da farsa dos governos Médici e Geisel sobre a dimensão da epidemia de meningite nos anos 1970, o Brasil iniciou, ainda no governo Figueiredo, um trabalho de saúde responsável. As campanhas de vacinação em massa contra poliomielite a partir de 1980 foram históricas. Hoje, além da varíola e da pólio, foram eliminadas do Brasil a rubéola, a síndrome da rubéola congênita, o tétano materno e o tétano neonatal.

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Se a lei é clara e o governo brasileiro tem capacidade para vacinar e proteger milhões de pessoas por que Bolsonaro lançou esta ideia?

O movimento antivacina tem raízes profundas nas teorias de conspiração. Na revolta de 1904, as pessoas diziam ter medo de ficar com “cara de vaca”, doentes ou morrerem. Como escreveu o historiador Nicolau Sevcenko, no clássico ‘A Revolta da Vacina’, “mesmo um elemento conservador, culto e bem informado como Rui Barbosa, político de grande envergadura, respeitado pelo público e por seus pares, denotava enorme insegurança quanto às peculiaridades, à qualidade e aos métodos de aplicação da vacina antivariólica prevista pela lei: “Não tem nome, na categoria dos crimes do poder, a temeridade, a violência, a tirania a que ele se aventura, expondo-se, voluntariamente, obstinadamente, a me envenenar, com a introdução no meu sangue, de um vírus sobre cuja influência existem os mais bem fundados receios de que seja condutor da moléstia ou da morte”.”

No século 21, os medos são mais difusos. Há milhares de sites relacionado as vacinas com mortes, e transtornos. Em 2014, Donald Trump ajudou a propagar a mentira de que vacinas causam autismo (depois de eleito, Trump mudou de posição e até incentivou as campanhas de vacinação americanas). O resultado é que doenças erradicadas nos EUA voltaram a matar, como a coqueluche, caxumba e sarampo. No Brasil, especialistas consideram que a uma queda na participação popular poderia ampliar rapidamente os casos de sarampo, poliomielite, difteria e rubéola. A Covid19 já matou 122 mil e infectou quase 4 milhões de brasileiros, na maior tragédia sanitária da história.

O motor que dá velocidade à campanha antivacina é o suposto direito individual dos cidadãos de não serem subjugados pelo Estado. É uma contradição porque na base legal brasileira o direito individual não se sobrepõe ao coletivo, ou em termos mais crus, uma pessoa com caxumba não tem o direito de infectar as outras.

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É uma hipocrisia populista que este governo se coloque ao lado do argumento do direito individual contra o Estado quando a doutrina de Bolsonaro é a do serviço militar obrigatório, do inquérito contra mulheres que fazem aborto e da punição a usuários de drogas. Ou seja, quando interessa ao presidente o Estado pode, sim, intervir na vida das pessoas.

Mas este é um governo contraditório. Um dia Bolsonaro diz que a Covid-19 é “uma gripezinha”, noutro diz que o uso imediato da cloroquina teria evitado milhares de mortos. Em fevereiro ele assinou uma lei pró-vacinação e, em junho, o ministro da Saúde, general Eduardo Pazzuelo, assinou parceria de R$ 550 milhões para a pesquisa e produção de doses da vacina contra o novo coronavírus em desenvolvimento pela Universidade de Oxford, do Reino Unido, e a farmacêutica AstraZeneca.

Há outras duas vacinas em testes. Em parceria com o Instituto Butantã e o governo de São Paulo, o laboratório chinês Sinovac realiza ensaios clínicos em seis estados, com 9.000 voluntários em 12 centros de pesquisa. O governo do Paraná fechou acordo com o laboratório Gamaleya, da Rússia, para testes controlados.

Não se deve minimizar a influência do presidente em boicotar os esforços por uma imunização. Pesquisa PoderData de agosto, mostrou que 7% dos entrevistados disseram que “com certeza” não tomariam uma vacina contra o coronavírus e 11% não souberam responder. Entre os que aprovam o governo Bolsonaro esses números são maiores: 10% não tomariam a vacina e 14% dizem não saber. Se ele realmente entrar em campanha, é possível que o Brasil nunca erradique a Covid-19.

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Resta uma última hipótese. Bolsonaro lança a ideia como cortina de fumaça, apenas para ocupar cientistas, opositores e jornalistas, enquanto fica livre de perguntas incômodas como “por que o ex-assessor Fabrício Queiroz depositou R$ 89 mil na conta da sua mulher, a primeira-dama Michelle Bolsonaro?”

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