A máquina de moer antibolsonaristas
Depois de ministros do STF, a militância do presidente calunia e difama adversários
Na semana passada, o site Jota anunciou para amanhã, 30, uma live entre o ministro do STF Luís Roberto Barroso e o youtuber Felipe Neto. No domingo, surgiram no Facebook os primeiros textos ligando o encontro ao inusitado conceito de “age fluid” (idade fluída), pelo qual adultos que se enxergam como crianças poderiam ter uma brecha legal para se relacionar com menores de idade. Ato contínuo, apareceu tuíte de Felipe com a frase “criança é que nem doce, eu como escondido”. Milhares de vídeos manipulados foram distribuídos no Facebook, Instagram e WhastApp relacionando Felipe à pedofilia. É assim que funciona a máquina de destruição de reputações do bolsonarismo.
Nas últimas semanas, investigações comandadas pelo Supremo Tribunal Federal descobriram a existência de uma coordenação profissional nos ataques, assédios e ameaças à vida de juízes e políticos que desagradam o presidente Jair Bolsonaro. Alguns desses profissionais foram presos, outros sofreram buscas e apreensões em suas casas e alguns tiveram seus perfis no Facebook e no Twitter suspensos por discurso de ódio, incluindo servidores públicos da Presidências da República com salários pagos pelo seu, pelo meu, pelos nossos impostos. Os bolsonaristas suspenderam fogo e os ministros do STF se sentiram protegidos. Criou-se a imagem de que a máquina do ódio bolsonarista estava acuada. Ledo engano. Apenas mudaram de alvo.
Felipe Neto tem 40 milhões de seguidores e é o youtuber mais popular das gerações Z e millennium. É um dos cachês mais altos do mercado publicitário e arrecadou em dez anos uma fortuna maior do que a da maioria dos presidentes de grandes companhias do Brasil. Ele seguiria fazendo dinheiro tendo como maior polêmica se estava usando o modo “criativo” ou “sobrevivente” para avançar nas construções do jogo Minecraft se não houvesse decidido a usar a sua influência para interferir no jogo político.
O youtuber defendeu, com veemência, o impeachment de Dilma Rousseff em 2016 e no ano passado se contrapôs à censura do prefeito Marcelo Crivella a uma revista em quadrinhos com um beijo entre dois personagens gays na Bienal do Livro.
Em maio, em uma entrevista ao programa Roda-Viva, Felipe assumiu um lugar no espectro político se posicionando firmemente contra Bolsonaro. Duas semanas atrás, foi convidado pelo jornal americano The New York Times para postar um vídeo em sua página de opinião, na qual ele classificou Bolsonaro como o pior presidente no combate à Covid-19 . Ouvido por uma audiência que, no geral, presta pouca atenção à política, Felipe Neto se transformou em um risco para o bolsonarismo.
Desde o domingo, 26, mais de 2 mil vídeos foram retirados do Facebook e do Instagram com calúnias contra o youtuber. Sites de checagem de informação como o Lupa e o Boatos.Org comprovaram fraudes na distribuição das informações. Quase 500 grupos e páginas do Facebook difamaram Felipe, obtendo em três dias 3,5 milhões de interações. Nuvens de palavras revelam que as mais usadas nas páginas que atacaram o youtuber são Bolsonaro, Brasil, Aliança, Presidente, Apoio, Direita, Jair, Deus e Pátria.
Hoje, 29, a máquina bolsonarista fez um teste de força no Twitter. Em poucas horas, ela levantou as hashtags #TodosContraLucianoHuck e #TodosContraFelipeNelo (assim mesmo trocando o Melo por Nelo) entre as mais retuitadas no Brasil. Ambas as hashtags não circularam fora da bolha bolsonarista, numa demonstração do que a máquina seria capaz caso quisesse realmente atacar Huck e Felipe.
Huck, apresentador de TV e eventual candidato a presidente, entrou na lista apenas por ter se solidarizado com Felipe. A hashtag foi aviso para dar ao youtuber um carimbo tóxico e indicar o que pode acontecer com personalidades e marcas que o apoiarem.
Felipe é uma das várias preocupações no radar bolsonarista. A apresentadora Xuxa é uma das próximas da lista, depois de anunciar a publicação de um livro infanto-juvenil no qual a personagem principal é criada por um casal de lésbicas. Todos os vídeos de Luciano Huck quando apresentador de programas com Tiazinha e Feiticeira estão sendo esquadrinhados, caso ele se assuma candidato.
Nota-se um padrão no método de destruição de reputação bolsonarista: sempre há um elemento moral. A pedofilia contra Felipe, a homofobia contra Xuxa e as dançarinas seminuas com Huck. É o momento espaço-tempo no qual a máquina bolsonarista se encontra com a força das redes de WhatsApps das igrejas conservadoras.
Bolsonaro é o político que melhor entendeu o uso na internet na política e está tão à frente das oposições que não tem contraponto nas redes sociais. O impacto de possíveis candidatos como Fernando Haddad, Ciro Gomes e João Doria é pífio fora de suas bolhas. Os bolsonaristas perceberam que o risco não vem desses políticos tradicionais, mas de quem tem uma vida digital intensa. Destruir a influência de Felipe Neto, Xuxa, Anitta e Marcelo Adnet é uma forma de a mensagem de Bolsonaro atuar sem contestação nas redes sociais. O gabinete do ódio bolsonarista é supremacista na sua essência. É uma máquina com método, coordenação profissional e dinheiro para atuar.