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Sobre Palavras

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Este blog tira dúvidas dos leitores sobre o português falado no Brasil. Atualizado de segunda a sexta, foge do ranço professoral e persegue o equilíbrio entre o tradicional e o novo.
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‘Judiar’ é uma palavra de origem antissemita? Claro que é!

“Professor, um colunista do ‘Jornal do Commercio’ de Pernambuco se desculpou com uma leitora judia que se sentiu ofendida por ele ter usado o verbo ‘judiar’ em um comentário, pois este seria uma forma de antissemitismo. Se isso é verdade também o seria derivação como ‘judiação’? Obrigado.” (Ivan de Barros) O colunista pernambucano citado por Ivan […]

Por Sérgio Rodrigues
Atualizado em 31 jul 2020, 02h14 - Publicado em 29 jan 2015, 13h11

“Professor, um colunista do ‘Jornal do Commercio’ de Pernambuco se desculpou com uma leitora judia que se sentiu ofendida por ele ter usado o verbo ‘judiar’ em um comentário, pois este seria uma forma de antissemitismo. Se isso é verdade também o seria derivação como ‘judiação’? Obrigado.” (Ivan de Barros)

O colunista pernambucano citado por Ivan fez muito bem em se desculpar com a leitora. Faria melhor ainda, claro, se não tivesse empregado o verbo “judiar”, que, ao lado de “judiação” e “judiaria”, bani há muito tempo do meu vocabulário.

A carga antissemita de “judiar” na acepção de “maltratar, torturar, infligir sofrimentos” é clara. As dúvidas que a expressão suscita recaem apenas, como lembra Antenor Nascentes, sobre a relação exata que ela articula entre judeus e maus-tratos. Para alguns estudiosos seriam eles os autores (pelo menos imaginários) das maldades, “num tempo em que não havia atrocidade que não se atribuísse aos judeus para os perseguir e espoliar”. João Ribeiro foi um dos que apostaram em sentido diferente, que considero mais plausível: “judiar” teria nascido com o sentido de “maltratar um judeu”, logo expandido para “maltratar alguém como se maltrata um judeu”.

De uma forma ou de outra, bastou-me conhecer um dia o que havia de odioso por trás desse verbo, figurinha fácil no português popular, para decidir que nunca mais travaria relações com ele. O fato de grande parte dos falantes entrar nessa história de forma inocente, sem intenção de ofender ninguém, não basta para inocentar a própria palavra. Nada a ver com rendição à patrulha politicamente correta: trata-se de um sentido íntimo de decência. Se é verdade que tem havido exageros até ridículos na tentativa de criminalizar em bloco as expressões que se referem à cor negra, por exemplo, como se todo charuto fosse um símbolo fálico (leia mais aqui), não se pode negar a vileza onde ela é evidente.

Trata-se de uma decisão moral que cada falante, de posse das informações pertinentes, deve tomar sozinho. Optar por não usar “judiar” ou qualquer outra palavra é completamente diferente de apoiar a tese autoritária da censura aos dicionários, da qual já tratei aqui. Dicionários têm a obrigação de registrar até os verbetes mais carregados de preconceito, pois seu papel é retratar a língua que existe e não a que gostaríamos que existisse. Basta que apontem o que for pejorativo ou condenável, como faz o Houaiss no caso de “judiar”, observando que a palavra resulta de “antiga tradição antissemita de origem europeia”.

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