Três mitos sobre emendas orçamentárias
Governar o Brasil não é fácil. O presidente é obrigado a lidar com parlamentares distantes de sua preferência ideológica dia após dia. Para obter apoio deles, negocia ministérios, cargos de confiança e liberação de verbas através de emendas orçamentárias. Elas são, geralmente, pequenos projetos ou adições a projetos já existentes que podem trazer retorno eleitoral […]
Governar o Brasil não é fácil. O presidente é obrigado a lidar com parlamentares distantes de sua preferência ideológica dia após dia. Para obter apoio deles, negocia ministérios, cargos de confiança e liberação de verbas através de emendas orçamentárias. Elas são, geralmente, pequenos projetos ou adições a projetos já existentes que podem trazer retorno eleitoral para os deputados. Exemplos típicos são emendas que sugerem a ampliação ou manutenção de alguma rodovia federal e emendas que propõem mais recursos para construir salas de aula em universidades federais.
Dilma promete liberar R$ 1 bilhão de emendas nas próximas semanas para obter apoio legislativo. Há alguns mitos sobre esse mecanismo que precisam ser desbancados.
O primeiro é que emendas parlamentares individuais têm custo alto para os cofres do governo. Não é verdade. As emendas individuais são menos de 10% do total de emendas apresentadas por parlamentares para o orçamento e são majoritariamente apresentadas para gastos com investimentos, que não somam mais do que 5% do orçamento, conforme estudo dos cientistas políticos Fabricio Vasselai e Umberto Mignozzetti.
Cito também o cientista político Fernando Limongi, co-autor de “Política orçamentária no presidencialismo de coalizão” (Ed. FGV, 2008), sobre isto: “Apesar de toda a importância que usualmente se confere às emendas individuais dos parlamentares (basta ler as constantes referências às mesmas na imprensa diária como peça-chave no funcionamento da base do governo), estas têm papel marginal na peça orçamentária. Mesmo quando se considera apenas o total dos recursos alocados pelo Congresso Nacional por meio de suas emendas, a parcela deste total que se deve às emendas individuais é claramente marginal. O grosso da participação efetiva do Congresso se dá por meio de emendas coletivas (de bancadas estaduais ou de comissões) e institucionais (apresentadas pelos relatores)”. A citação faz parte do prefácio de Limongi a meu livro sobre corrupção e orçamento.
O segundo mito, parcialmente correto, é o de que emendas orçamentárias são porta de entrada para a corrupção. O último caso notório foi o dos “sanguessugas”. Eram 72 parlamentares que destinavam emendas ligadas à área da saúde e compartilhavam, com prefeitos e burocratas do Ministério da Saúde, os ganhos corruptos obtidos a partir de licitações municipais irregulares. Foram desmascarados em 2006.
Mas diversas mudanças nas regras parlamentares fecharam torneiras para a corrupção via emendas. As exigências para que o dinheiro de emendas seja transferido para ONGs aumentaram bastante logo após o escândalo dos “sanguessugas”, com a Resolução 1/2006.
Por fim, há o mito de que as emendas são ilegítimas, pois um deputado deveria propor projetos abrangentes, que beneficiem toda a população, e não apenas suas bases eleitorais. O problema com esse argumento é que a provisão de benefícios concentrados é parte da atividade parlamentar desde sempre em qualquer país. Não é diferente na Inglaterra, Estados Unidos nem na Alemanha.
Além disso, um excelente estudo de Carlos Pereira e Lucio Rennó mostra que municípios que recebem emendas orçamentárias melhoram seus indicadores sociais.
Criticar as emendas orçamentárias é, portanto, perda de tempo e não ajuda a entender como funciona a democracia brasileira.
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