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Por Roberto Pompeu de Toledo
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O palácio e a farda

Bolsonaro um dia vai passar, com a ajuda conjugada dos eleitores, dos tribunais e dos céus, e as Forças Armadas ficarão

Por Roberto Pompeu de Toledo Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 20 nov 2020, 10h33 - Publicado em 20 nov 2020, 06h00

Algo estremece na relação entre o presidente Bolsonaro e os militares. Ao afirmar num evento virtual que os militares “não querem participar da política governamental nem da política do Congresso Nacional, e muito menos querem que a política penetre nos quartéis”, e reiterar no dia seguinte que as Forças Armadas “não são instituições de governo”, mas “de Estado, permanentes”, o comandante do Exército, Edson Pujol, disse o óbvio — mas um óbvio tão ululante que doeu nos ouvidos do presidente. Será o prenúncio de nova fase entre as partes? Recapitulemos como esse relacionamento evoluiu até aqui.

Fase 1 — Rumo ao golpe. Foi a época do carnaval antidemocrático nos fins de semana de Brasília. A saudade da ditadura estava no ar, e em certos dias os generais palacianos Heleno e Ramos dividiram a cena com o exultante Bolsonaro. Numa ocasião o ministro da Defesa, Fernando de Azevedo e Silva, embarcou com o presidente no helicóptero que, triunfante, sobrevoava a massa golpista. Até em frente ao Q.G. do Exército ocorreu manifestação, e se houve oficial ultrajado com a usurpação do cenário, ficou calado. Para a aliança firmada ainda na campanha eleitoral entre o então candidato e o então comandante do Exército, general Villas Bôas, o céu parecia o limite, sendo o céu o dia em que os generais entronizariam o capitão num regime sem as aborrecidas travas do Congresso, do STF e da imprensa.

Fase 2 — Aparece o Queiroz. A irrupção em cena do mais valioso servidor da Casa Bolsonara, flagrado no esconderijo arranjado por um advogado da família, mudou o jogo. A partir de agora o golpe se confundiria com uma operação de salvamento da firma Presidente & Filhos das encrencas com rachadinhas, milícias e quejandos. Seria demais. O presidente baixou o tom e abrigou-se do impeachment sob as asas dos anjos do Centrão. Não que houvesse descontinuidade nas políticas de destruição ambiental, desmanche cultural, ojeriza aos direitos humanos, administração assassina da saúde e putrefação das relações exteriores, mas o governo se cobriu de um verniz de paz e amor.

Fase 3 — Saliva e pólvora. Nas últimas semanas o verniz explodiu em estilhaços de som e fúria, delírio e tormenta. A intemperança presidencial tem sido debitada ao acúmulo de infelicidades: filho denunciado por peculato, Donald Trump derrotado, mau desempenho nas eleições municipais. Nesse clima chegou-se ao discurso que, de um jato só, parvo e desembestado, começou por classificar os brasileiros de maricas diante do coronavírus e terminou com a ameaça de lascar pólvora nos americanos. “Pólvora” tem a ver com Forças Armadas. Era lançá-las ao ridículo, de quebra com o Brasil. Três dias depois, veio a declaração do comandante do Exército.

“É uma relação a que se pode dar o nome de ‘o capitão e seus generais’”

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Um artigo dos pesquisadores Octávio Amorim Neto e Igor Acácio na última edição em português do Journal of Democracy aborda os problemas da promiscuidade entre governo e militares. “Colocar os militares no centro da arena política significa colocar representantes de uma organização opaca e radicalmente vertical no centro de um regime político que se fundamenta justamente no oposto, isto é, na transparência e em relações horizontais”, escrevem os autores. “É justamente por possuírem essas duas características que o Poder Legislativo e as agremiações partidárias são as instituições basilares da democracia.” Em outra passagem, Amorim e Acácio recorrem ao pensamento do general da reserva Francisco Mamede Brito Filho segundo o qual “missões militares” são apenas as de natureza militar. “Um militar da ativa que integra o governo dizendo-se cumpridor de uma missão encerra uma mensagem institucional flagrantemente distorcida.”

Bolsonaro um dia vai passar, com a ajuda conjugada dos eleitores, dos tribunais e dos céus, e as Forças Armadas ficarão. A manifestação de Pujol não é tudo — falta proibir o recrutamento de oficiais da ativa (como o infeliz ministro da Saúde) e frear a sedução das “boquinhas” no governo, entre muitas outras coisas —, mas vai no sentido de resgatar a manchada reputação da instituição armada. Tanto as palavras do comandante doeram nos ouvidos de Bolsonaro que ele reagiu. Concordou, num tuíte, que as Forças Armadas devem permanecer apartidárias, mas acrescentou que elas se encontram “sob a autoridade suprema do presidente da República”. Até lembrou que Pujol foi escolhido por ele para comandante do Exército, uma insinuação de que pode demiti-lo. Algo estremece na relação à qual o historiador do futuro pode dar o título paradoxal de “O capitão e seus generais”.

Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA

Publicado em VEJA de 25 de novembro de 2020, edição nº 2714

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