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Por Roberto Pompeu de Toledo
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Melhor morto

Adriano da Nóbrega, o homem que poderia contribuir para desvendar os mistérios do assassinato de Marielle Franco, virou, ele próprio, um mistério

Por Roberto Pompeu de Toledo Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 14 fev 2020, 10h46 - Publicado em 14 fev 2020, 06h00

O homem que poderia contribuir para desvendar os mistérios do assassinato de Marielle Franco virou, ele próprio, um mistério. Adriano da Nóbrega, o supermiliciano carioca que era procurado havia um ano, tido como chefão da pioneira gangue do Rio das Pedras, e CEO da organização conhecida como Escritório do Crime, morreu sem dar um pio, tão logo encontrado no interior da Bahia pela polícia local. Ninguém garante que ele contaria o que sabe, inclusive sobre suas estreitas relações com a família Bolsonaro. Pelo sim, pelo não, eis um personagem que, para sossego de muita gente, seria preferível ver despachado para prestar conta de seus pecados no Juízo Final a ver tentado a uma delação cá em nosso planeta. Com sua morte, em vez de uma resposta, fica-se com duas perguntas, uma velha e uma nova: “Quem mandou matar Marielle?” e “Quem mandou matar Adriano?”.

O miliciano escondia-se numa casa de campo em Esplanada, a 168 quilômetros de Salvador. Segundo o professor da UFRJ e pesquisador das milícias José Cláudio Souza Alves, ouvido pela repórter Fernanda Mena, da Folha de S.Paulo, tratava-se, para a polícia, de um “quadro simplificado”: apenas o cerco de uma casa, num entorno descampado. Setenta policiais do Bope baiano participaram da operação. Mesmo que de posse de um fuzil e uma pistola, como alegado, e mesmo que tenha atirado primeiro, como também alegado, que poderia fazer o fugitivo? “Uma operação de cerco lida mais com paciência, espera, controle e dissuasão do que com confronto direto”, diz o professor. O problema é que não se tratou de uma operação de cerco, mas de execução (como mostra a reportagem desta edição).

A polícia baiana promete investigar o episódio, mas a experiência sugere como mais provável que, tal qual a de PC Farias, o tesoureiro de Fernando Collor, a de Celso Daniel, o prefeito petista de Santo André, e a de Marielle, a ocorrência do último fim de semana acabe no rol dos casos inconclusos da crônica político-policial brasileira. Os assassinatos mencionados têm em comum o fato de ter rondado as figuras de presidentes. Adriano da Nóbrega era o ponto de encontro entre duas sendas — uma levava ao assassinato de Marielle, a outra às relações perigosas da família Bolsonaro. Era parceiro de Ronnie Lessa, o matador de Marielle, no Escritório do Crime, e foi parceiro de Fabrício Queiroz, o faz-tudo dos Bolsonaro, em estripulias iniciadas quando ambos serviam na Polícia Militar.

Adriano é o elo entre duas sendas, uma levando a Marielle, a outra aos Bolsonaro

Não se deduz daí alguma ingerência dos Bolsonaro no caso Marielle, até porque não se vislumbra a vantagem que poderiam tirar disso. O que se evidencia é a proximidade entre as duas sendas, interpenetrando-se e misturando-se uma à outra, e constituindo-se, somadas, num ambiente comum entre uns e outros. Por duas vezes, Flávio Bolsonaro, o filho Zero Um, homenageou Adriano na Assembleia Legislativa, e uma vez o então deputado Jair Bolsonaro fez o mesmo na Câmara Federal. Suas defesas alegam que isso ocorreu anos atrás, quando Adriano era ficha-limpa. O argumento se enfraquece ao se saber que Flávio abrigou em seu gabinete, até o fim de 2018, a mãe e a ex-mulher do miliciano, ambas alegres folionas no carnaval de rachadinhas ali em cartaz.

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Já tivemos presidentes próximos a criminosos de colarinho branco, ou eles próprios acusados de crimes do gênero. A vizinhança com o bas-fond da criminalidade é uma singularidade do atual ocupante do cargo. Somem-se a tais relações as defesas da tortura e do assassinato e temos um presidente amigo da “tigrada”, para usar um conceito atribuído pelo jornalista Elio Gaspari, em seu livro A Ditadura Envergonhada, ao ex-ministro Delfim Netto. A “tigrada” era o pessoal dos porões, no tempo da ditadura, a turma que punha a mão na massa quando a questão era sequestrar, torturar e matar. Bolsonaro nunca cita o general Golbery, muito menos o general Geisel (que o considerava “um mau soldado”), ao falar de sua admiração pela ditadura. O culto é ao coronel Brilhante Ustra, chefe do centro de tortura montado no DOI-Codi de São Paulo. O lado da ditadura que mais cala ao seu coração é o de baixo.

A morte de Adriano da Nóbrega foi recepcionada com constrangedor silêncio pelos Bolsonaro, por três dias. Na quarta-feira 12, Flávio emitiu uma nota alarmada contra a planejada cremação do corpo, o que faria “sumir com as evidências de que foi brutalmente assassinado”. É bom tê-lo desse lado. Tomara que persista nele, não apenas para comprovar a execução, mas na busca de quem esteve por trás da trama que a tornou possível.

Publicado em VEJA de 19 de fevereiro de 2020, edição nº 2674

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