
De certa forma, Jair Bolsonaro já entrou na disputa derrotado: é inconcebível que um presidente que quer se reeleger não tenha um partido que o represente na eleição que vai decidir quem serão os cabos eleitorais em 2022. E, mesmo sem representação clara e digna do nome, o bolsonarismo foi fragorosamente derrotado. Não apenas o eleitorado esnobou olimpicamente os candidatos recomendados pelo presidente, como esnobou os candidatos defendidos por sua rede de fake news e repudiou os candidatos extremistas, privilegiou a moderação, premiou os candidatos que levaram a Covid a sério.
O melhor proxy para Bolsonaro é provavelmente seu filho Carlos (as curvas de votação dos dois são, desde 2000, virtualmente idênticas): e Zero Dois teve 35% menos votos do que em 2016. Incapaz de marcar gol, o presidente xingou o juiz: voltou a falar em fraude — como sempre, sem apresentar qualquer indício ou evidência.
O PT, que, em 2016, havia tido a maior queda de sua história (de 630 para 256), conseguiu o prodígio de ter um desempenho ainda pior: elegeu apenas 182 prefeitos, nenhum em capital de estado. Não é que os eleitores que sempre votaram na esquerda tenham desaparecido: eles continuam votando na esquerda, mas preferiram outros partidos: em São Paulo, por exemplo, escolheram o PSOL; no Rio Grande Sul, ficaram com o PCdoB. Lula, em particular, parece ter se tornado incapaz de galvanizar a esquerda, e não será surpresa se, em 2022, o candidato anti-Bolsonaro vier de outro partido.
A esquerda não teve uma derrota acachapante como a do PT, mas também perdeu: o PSB caiu de 409 prefeitos para 252; o PCdoB caiu de 82 para 46; o PDT caiu pouco, de 333 para 314. Só o PSOL cresceu, passando de 2 para 5 prefeituras.
Em uma eleição em que o eleitorado repudiou a esquerda e o extremismo em geral (e o extremismo de direita em particular), e privilegiou a direita e a centro-direita, seria de se esperar que o Partido Novo, que se apresenta como uma direita, ou centro-direita, moderna, tivesse um belo desempenho. No entanto, o Novo elegeu um único prefeito — e apenas 29 vereadores um total de 57 mil vereadores eleitos em todo o país —, nenhum em Minas Gerais, onde o governador é do partido.
Marcelo Crivella, candidato derrotado por Eduardo Paes no Rio de Janeiro, é, junto com Bolsonaro e Lula, o maior perdedor individual. Campeão nacional da rejeição, foi massacrado nas urnas. Nem mesmo evangélicos o apoiaram em massa. Seu futuro é incerto, mas, se quiser voltar ao Senado em 2022, deverá enfrentar dificuldades.
Os arautos da “política quântica”, que declaravam que as redes sociais mudaram completamente a maneira de se fazer política, se espatifaram. A “política newtoniana” continua firme e forte.
Os grandes perdedores forem mesmo o radicalismo, o extremismo, a polarização e a “nova política” (seja isso o que for). Não apenas Bolsonaro e Lula foram derrotados, como inúmeros radicais tentaram suavizar suas imagens. Boulos deixou de ser o agressivo invasor de imóveis para se tornar um sucedâneo do lulinha-paz-e-amor. Manuela D’Ávila deixou de ser a garota comunista rebelde para tornar-se uma comportada mãe e dona de casa. Bolsonaristas empedernidos como Delegado Pazolini e Capitão Wagner fizeram o que puderam para se dissociar de Bolsonaro.
A maré virou E virou para voltar a ser basicamente o que sempre foi — ainda que com um viés para a direita.