O dilema do centrão: quando trair?
Apoiar Bolsonaro está ficando caro demais — e o bloco fisiológico sabe
Segundo o Datafolha, mais da metade dos brasileiros considera o presidente Bolsonaro incompetente, desonesto, falso, indeciso, autoritário, despreparado, pouco inteligente, e jamais confia no que ele diz. 70% acreditam que há corrupção no governo, 64% acreditam que Bolsonaro sabe disso (segundo o PoderData, 50% acham que ele está pessoalmente envolvido, incluindo 28% dos que votaram nele). Pela primeira vez, a maioria (54%) dos brasileiros quer o impeachment.
O cenário é sombrio e não deve mudar. A Polícia Federal abriu inquérito para apurar se Bolsonaro cometeu crime, e a CPI vai descobrir novos fatos comprometedores (O Antagonista relata que Bolsonaro teria participado pessoalmente da negociação espúria de compra de vacinas da Davati). A ampliação da vacinação aumentará o tamanho das manifestações. Há até a perspectiva de uma crise hídrica, e ela não está sendo tratada com a seriedade necessária.
Bolsonaro reage como sempre: com fúria, paranoia e exigência de provas de lealdade. Xingou senadores e o ministro Barroso, ameçou cancelar as eleições e exigiu que os militares, desonrando a farda, ameaçassem a democracia. A sociedade reagiu de maneira enfática e unânime. Nada disso melhora a situação do presidente.
É difícil acreditar que Bolsonaro possa se recuperar a ponto de se reeleger, e parece haver chance de ele não chegar sequer ao segundo turno.
Apoiar Bolsonaro está ficando caro demais: significa arriscar-se a perder a eleição em 2022 e ganhar na testa o carimbo de inimigo da democracia.
O centrão sabe disso. E está se mexendo. Vários partidos da base aliada firmaram compromisso para enterrar o voto impresso, e Marcelo Ramos (PL) defende voto eletrônico e afirma que o debate é desnecessário. Arthur Lira (PP) e Rodrigo Pacheco (DEM) demoraram mais do que deveriam, mas enfatizaram compromisso a favor da democracia e contra ruptura institucional. Gilberto Kassab (PSD) já avisou que não apoiará Bolsonaro, e lançou Pacheco, que deixa de ser aliado de Bolsonaro para ser seu adversário.
A questão existencial do centrão é o momento do desembarque.
Se abandonar o barco cedo demais, deixa um caminhão de dinheiro na mesa. Se demorar demais, acaba tragado pelo naufrágio governista. O desafio é encontrar o momento exato para maximizar o butim — e não se afogar.
Mas não há dúvida de que o centrão conseguirá. Sempre consegue. É sua especialidade.